Artigo de Mauro Santayana analisa programa de TV do PFL

 

"O programa eleitoral do PFL, divulgado na última quinta-feira, foi um ato de provocação. Lembrava a velha União Democrática Nacional, no cerco a Getúlio Vargas em 1954, com uma

"Os neogolpistas"

O programa eleitoral do PFL, divulgado na última quinta-feira, foi um ato de provocação. Lembrava a velha União Democrática Nacional, no cerco a Getúlio Vargas em 1954, com uma diferença: há 52 anos, os opositores dispunham do inegável talento de Carlos Lacerda. Hoje se valem de Jorge Bornhausen.

Os golpistas de 1954, vencidos pelo gesto corajoso de Vargas – que fez de sua morte a denúncia da articulação liberticida – levaram dez anos para obter o que pretendiam: chegar ao poder sem votos, porque os votos sempre lhes haviam sido negados. Mas a sua articulação se valeu dos mesmos argumentos.

Ao debitar à responsabilidade de Lula o uso do caixa-dois, administrado pelo Sr. Marcos Valério, deixaram de dizer que esse senhor surgiu no financiamento da campanha do Sr. Eduardo Azeredo, do PSDB, contra o Sr. Itamar Franco, conforme ele mesmo confessou. No mesmo dia em que foi ao ar o programa do PFL, Marcos Valério dizia à Polícia Federal que dera 8,5 milhões ao candidato tucano em Minas, em 1998. Esqueceram-se, os neogolpistas, de sua cumplicidade com os crimes cometidos contra o patrimônio nacional, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Com a provocação, autorizam o governo a abrir o saco de detritos da administração passada. Nele se encontram os mais graves escândalos da história republicana, como o das privatizações, que significaram o maior prejuízo ao patrimônio nacional em toda a sua história. Só a privatização da Vale do Rio Doce significa prejuízo muito superior a 100 bilhões de dólares, segundo estimativas conservadoras.

O governo Lula poderia lembrar tudo isso, e perguntar ao PFL por que a sua bancada, tanto no Senado, quanto na Câmara dos Deputados, se empenha, como se empenha, em proteger o banqueiro Daniel Dantas – o mesmo Dantas que foi recebido privadamente por Fernando Henrique Cardoso, altas horas da noite, no Palácio da Alvorada, em jantar de negócios, dias antes de deixar o governo.

Trataram, sim, de negócios, porque não consta que Dantas seja político, que tenha interesses exclusivamente políticos. Um banqueiro não é recebido pelo Presidente da República para discutir doutrinas e ideologias políticas – seu interesse imediato é dinheiro. E nem é recebido em segredo, como ocorreu. Seria interessante, aliás, conhecer a lista de doadores que financiaram as instalações e custeiam as despesas do famoso Instituto que leva o nome do ex-presidente, e que dispõe de sede luxuosa em São Paulo.

Os membros do PT contra os quais se encontraram provas – e, em alguns casos, apenas suspeitas – de recebimento de dinheiro de Marcos Valério (dinheiro de bolso, se comparado aos recursos públicos que socorreram os bancos administrados por banqueiros fraudadores no governo FHC) foram afastados do governo e, em alguns casos, do Partido. Os processos, judiciais e parlamentares, que se instauraram, durante o governo passado, para investigar atos de corrupção, foram simplesmente trancados pelo poder do Palácio do Planalto.

O programa do PFL é um chamado ao golpe – mas cai no vazio. O Brasil de 1964 já não existe. As Forças Armadas, hoje, se preocupam com o essencial, que é a defesa das instituições democráticas – que funcionam em sua plenitude – e com a defesa de nossas fronteiras. Empenham-se, igualmente – e disso se sabe pouco – na formação democrática e na promoção social de seus recrutas, dotando-os de conhecimentos profissionais que os encaminhem na vida civil. Os chefes militares não têm mais ouvidos para essas vivandeiras.

Mas se as Forças Armadas não aceitam mais tais chamados golpistas – como o que fez o Sr. Antonio Carlos Magalhães, da tribuna do Senado – a tranqüilidade pública se encontra ameaçada pelos atos de provocação. É nessa hora que os partidários de Lula devem manter a cabeça fria. Se é necessário que respondam aos insultos, convém que o façam com firmeza e serenidade, sem baixar aos adjetivos grosseiros, usados pelos adversários.

O povo sabe bem o que tem sido o governo e o que foi o governo passado. Sabe hoje que a vitória dos adversários representará o encurtamento do salário mínimo, o aumento do desemprego, a miséria voltando aos lares pobres. Por isso, não adiantam os insultos, ou, para usar a expressão popular, a “baixaria”. E como o Sr. José Jorge entrou pessoalmente no coro das ofensas a Lula, convém lembrar que esse senhor foi cúmplice de Fernando Henrique na privatização das hidrelétricas, quando Ministro de Energia, e coube-lhe a responsabilidade pelo apagão.

Quem pagou pela energia não consumida foram os consumidores, com a taxa extra, imposta pelo governo em favor das empresas, de acordo com o contrato colonial assinado com os compradores das empresas privatizadas. Enfim, se uns bebem, outros ficam bêbados.

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*Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Fonte: Agência Carta Maior