Cubanos e bolivianos somam-se nas homenagens a Che Guevara

Cubanos e bolivianos prestaram homenagens ontem à memória do guerrilheiro Ernesto Che Guevara na passagem de seu 78º aniversário. Pela primeira vez em quatro decádas a comemoração aconteceu em outro país fora de Cuba, a Bolívia,

Pela primeira vez, o centro da homenagem anual ao revolucionário Ernesto Che Guevara, que completaria 78 anos ontem, deixou de ser Cuba. O país escolhido foi a Bolívia do presidente sindicalista Evo Morales. Familiares de Che e Morales participaram do ato, realizado no povoado La Higuera, onde o revolucionário foi executado a tiros em 9 de outubro de 1967, um dia depois de ser capturado.
A homenagem incluiu um simbólico "parabéns pra você" e um bolo dividido entre a comunidade e visitantes cubanos e venezuelanos que participaram do ato. Che nasceu em 14 de junho de 1928 na cidade argentina de Rosário.

O gesto de Morales foi qualificado como “histórico” por Cuba. A televisão local exibiu documentários sobre Che e transmitiu a cerimônia realizada na Bolívia. Quando esteve em Cuba há dois meses, Morales entregou a Fidel Castro, a quem chama de “avô sábio”, um presente adiantado pelos 80 anos do presidente cubano, que serão completados no dia 13 de agosto: seu retrato, o do herói José Martí, e o de Che Guevara, todos em folha de coca.

A homenagem na Bolívia é um acontecimento inédito por dois motivos: Morales é o primeiro presidente na história da Bolívia a transformar Che num emblema de governo e agora Cuba ganhou um apoio para a “canonização” revolucionária de Che.

“O Che é universal (…) É importante conhecer o Che. A rebeldia é uma parte, mas é preciso ir além, levar o nome de Che para o cotidiano”, disse Aleida Guevara, filha de Che e médica como o pai. A Casa das Américas apresentou um livro de apontamentos inéditos de Che, no qual ele critica a ex-União Soviética e outros países comunistas.

A boliviana Susana Osinaga Robles, uma das enfermeiras que lavou o corpo do guerrilheiro em 1967, acredita que a alma do combatente a protege e a mantém viva, aos 73 anos. Seu testemunho é um dos muitos que ainda é possível encontrar na região de La Higuera.

 Eixo da humanidade

O líder boliviano, que disse não se importar com "o que diga o império", ironizou a expressão "eixo do mal", cunhada pelo presidente americano, George W. Bush.

Como alternativa, propôs falar do "eixo da humanidade", ao agradecer a ajuda que Cuba e Venezuela dão a seu país em matéria de educação e saúde, entre outras áreas.

Prova disso, acrescentou, é a ajuda que a Bolívia está recebendo de ambos os países. Morales disse estar disposto a defender seu país e os dois aliados "com armas" no caso de um eventual ataque dos Estados Unidos.

Apesar de dizer que se sentia triste ao lembrar de "Che", afirmou que não podia seguir outro caminho que não fosse o legado do guerrilheiro de "viver com justiça, solidariedade e em harmonia com a natureza".

O filho de "Che", Camilo Guevara March, disse sentir-se emocionado por visitar pela primeira vez La Higuera.

Afirmou que a "homenagem merecida" a seu pai o emocionou e que cumpria os sonhos do falecido combatente, pois na ocasião foram inauguradas obras que beneficiam a população, como um consultório médico e um programa de alfabetização, nos dois casos com ajuda de Cuba.

Sobre Morales, disse que é "um presidente eleito pelo povo boliviano, de origem humilde, que não vai enganar" sua gente.

Camilo Guevara trabalha no centro de Estudos Che Guevara, em Cuba, que ajuda a divulgar o pensamento e a obra do guerrilheiro.

"É importante entender que o 'Che' é um homem que tentou mudar o mundo. Não se pode abraçar 'Che' e não querer mudar o mundo", afirmou.

Outra presença simbólica no local foi a de Oswaldo Peredo, irmão dos guerrilheiros Inti e Coco Peredo, que combateram junto com Guevara na Bolívia.

O helicóptero que transferiu Morales, o primeiro presidente boliviano a visitar La Higuera, também trouxe à memória dos guevaristas a aeronave militar que levou os restos mortais do líder até Vallegrande, em 9 de outubro de 1967, após ele ter sido executado pelo Exército boliviano.

Entre os convidados também estavam o ministro da Educação de Cuba, Luis Ignacio Gómez; o embaixador de Cuba, Rafael Dausá, e seu compatriota Jorge González, o médico que desenterrou e identificou os restos do guerrilheiro em 1997.

O ato começou com atraso porque o helicóptero que trouxe Morales produziu, em sua primeira tentativa de aterrissagem, uma densa poeira sobre as pessoas que o esperavam.

Exceto pelo incidente, a comemoração teve um ambiente festivo, inédito para o povoado, onde residem menos de cinqüenta famílias, mas que hoje se transformou em uma fervedouro de guevaristas, socialistas e indígenas bolivianos.

As canções de Pablo Milanés e Silvio Rodríguez e bandeiras do Movimento ao Socialismo (MAS) de Morales, da Bolívia e de Cuba deram cor ao vilarejo encravado entre as montanhas do departamento (estado) de Santa Cruz.

Em La Higuera, a importância da figura de "Che" se reflete em um enorme busto junto ao qual várias pessoas aproveitaram para tirar fotos, e em um pequeno museu dedicado a sua memória.

Mas também em produtos de consumo popular um tanto insólitos como o pequeno frasco de "Terra e sangue do Che", que era vendido pelo equivalente a US$ 0,40 no próprio museu.

Também deu visibilidade à homenagem a presença do inca Kutek Pacha (Marcelo Marcial de Cóndor Marca), um quíchua de 36 anos vestido com roupas típicas, que assegura ser descendente de Tupac Amaru, um líder indígena que lutou contra os espanhóis durante a época colonial.

Homenagens também em Havana


Apesar da centralidade das homenagens a Che na Bolívia, Cuba também foi palco de diversas homenagens a Guevara.

Entre as celebrações, um grupo de médicos cubanos que combateu na guerrilha e derrotou o regime de Fulgencio Batista em 1959 homenageou Che Guevara no mausoléu na cidade de Santa Clara, a 270 quilômetros de Havana, onde ficam seus restos desde 1997.

Símbolo de rebeldia e da revolução, a imagem e o pensamento do guerrilheiro é objeto de devoção no país antilhano. Sua célebre foto com uma boina com a estrela solitária é uma imagem clássica em Cuba.

Foi no México em 1956 que o jovem médico Guevara conheceu Fidel Castro e aderiu à luta armada contra Batista que terminou com a vitória da revolução em 1959.

Presidido por José Ramón Machado Ventura, membro da Repartição Política do Partido Comunista de Cuba e que lutou junto com Che, um grupo de médicos veteranos e combatentes visitou o Memorial onde Che Guevara repousa junto com alguns de seus companheiros de luta.

"A figura do Che é inesquecível e eterna, se converteu em bandeira das causas nobres e das lutas a favor dos povos", declarou à imprensa Machado Ventura, que conheceu Guevara em 1957 na Sierra Maestra, coração da luta rebelde.

Ainda como parte das homenagens, a televisão cubana transmitirá hoje os atos em La Higuera.
O multimídia "Che, cidadão do mundo"e o documentário "Che Guevara, onde nunca jamais o imaginam", do diretor Manuel Pérez, foram apresentados também em Havana como parte das celebrações junto com uma série de palestras.

O jornal Juventud Rebelde publicou um artigo sobre Che escrito por Roberto Fernández Retamar, diretor da instituição cultural Casa das Américas.

"O Che, imagem do povo", é o título da nota na qual o intelectual traçou um esboço do guerrilheiro através de anedotas, de sua relação com Castro e sua nacionalidade.

"A Argentina não esteve só no passado de Che: esteve em seu presente e ele queria que também estivesse em seu futuro (…) a Argentina se orgulha de seu Che e a reincorporação à sua história, é fundamental, e enriquece a todas e a todos", defendeu Retamar.

Da redação,

com informações da Prensa Latina e Ansa