Mídia supervaloriza papel de al-Zarqawi na resistência iraquiana

Com a morte, ontem, do "principal inimigo" das forças de ocupação do Iraque, o suposto terrorista Abu Musab al-Zarqawi, a mídia ocidental ocupou horas de transmissão e enormes espaços em seus veículos com a rep

Perfis, cronologias, fotografias, mensagens de vídeo e áudio, a mídia utilizou tudo que dispunha para apresentar, durante os últimos anos, al-Zarqawi como o principal mentor dos ataques e da violência vivida pelo Iraque, desde que a ocupação foi iniciada, em março de 2003. O papel do suposto terrorista, divulgado com lente de aumento pela grande mídia, não pode ser considerado como decisivo na luta pela libertação do Iraque de seus ocupantes anglo-americanos, se compararmos as ações dos outros vários grupos de resistência com a que seu grupo, denominado "al-Qaida no Iraque", conduzia clandestinamente.

Em entrevista divulgada pelo sítio Espaço Acadêmico este ano, o militante Sammi Alaa, porta-voz da Aliança Patriótica Iraquiana (API), dá uma outra dimensão ao que se chama "resistência fundamentalista iraquiana". Segundo ele, a resistência militar tem três grandes vertentes. "A primeira, é constituída por núcleos de combatentes formados por militantes baathistas, pan-árabes, socialistas, comunistas patrióticos, etc" revela.

A segunda é constituída sobretudo por oficiais e soldados do antigo exército de Saddam Hussein, que não depositaram as armas e prosseguem resistindo. Alaa conta que "o terceiro grupo é formado por militantes religiosos sunitas e xiitas. Em geral, esses grupos foram formados por patriotas, que ingressaram individualmente na resistência, e não devido a uma ordem superior de um partido, de um líder, etc. São grupos esparsos, no máximo articulados local ou regionalmente. Sobretudo por isso a API mobiliza-se pela unificação política desse esforço patriótico", disse Alaa.

Ao ser questionado sobre a real força dos grupos religiosos islâmicos, Alaa respondeu que "os grupos religiosos não são mais do que uns dez por cento de toda a resistência iraquiana. Todos os grupos que participam da resistência têm direito ao apoio e ao respeito total. Entretanto, nenhum desses grupos pode pretender aparecer, diante da opinião interna e externa, com uma dimensão que não possui, no seio da própria resistência".

Alla indica que o peso do fundamentalismo islâmico no Iraque não é tão grande quanto se faz pensar na mídia ocidental. Segundo ele "a sociedade iraquiana é uma sociedade de grande tradição secular, multi-étnica e pluri-religiosa. No Iraque, vivem povos de origem árabe, européia, curda, turcomana, etc., que professam a religião cristã, judaica, muçulmana xiita e sunita, etc. Em verdade, nenhum governo iraquiano, seja a monarquia, seja os governos que se sucederam após a Revolução de 1958, jamais tentaram impor um sistema único. Essa diversidade é uma das razões da resistência à ocupação anglo-estadunidense, que tenta impor um modelo único de vida".

O grupo de al-Zarqawi foi creditado como autor de alguns dos mais mortais ataques cometidos no Iraque, exceção feita às forças de ocupação, desde o início da ocupação do país, em março de 2003. Um atentado contra uma multidão que se reunia para inscrever-se na Guarda Nacional, na cidade sulista de Hilla, em janeiro de 2005, foi atribuído a seu grupo e matou 125 pessoas.

O grupo de al-Zarqawi também assumiu a decapitação de dois reféns americanos durante o ano de 2004, Nicholas Berg e Eugene Armstrong. Contudo, o pai de Nicholas, Michael Berg, disse ontem à mídia americana que "George Bush é mais terrorista que Zarqawi. Atribui-se a Zarqawi a morte de centenas de pessoas, entre elas meu filho. George Bush é responsável por 150.000 mortes e mais uma a cada 12 minutos", declarou à Associated Press.

Exagero da mídia

A al-Qaida no Iraq assumiu a responsabilidade pela explosão de mesquitas xiitas e al-Zarqawi descreveu muçulmanos xiitas como "inimigos do Islã" em uma fita de áudio divulgada pela Internet em junho. Al-Zarqawi adotou sua ideologia radical islâmica enquanto esteve na prisão.

Mas analistas acreditam que, embora sendo uma figura proeminente na insurreição iraquiana, sua influência foi bastante exagerada pela mídia. Acredita-se que sua organização fosse composta por 3 mil pessoas e a maior parte dos oficiais do exército americano admitia que culpava al-Zarqawi por ataques sofridos por suas guarnições, segundo o Washington Post escreveu em abril.

Depois que boatos foram espalhados dizendo que ele teria sido relegado a um segundo plano na liderança da resistência iraquiana, al-Zarqawi divulgou um vídeo, tentando manter o seu perfil – um gesto que pode ter providenciado informações aos ocupantes americanos de onde localizá-lo.

A cultura do medo

Os Estados Unidos são campeões na criação do medo, principalmente do outro, seja ele quem for. O outro, que na maioria das vezes representa o "mal" para os americanos, muda de perfil de acordo com o contexto: comunista, vietnamita, terrorista ou ainda, personificado em Josif Stálin, Mao Tsé Tung, Idi Amin Dada, Fidel Castro, Sadam Hussein e Osama Bin Laden e, como não poderiam faltar, alienígenas, bactérias assassinas e colossais tragédias climáticas. Os novos vilões americanos estão personificados em Hugo Chávez, no falecido al-Zarqawi e, por exemplo, nas substâncias tóxicas liberadas pela explosão e destruição das torres do Word Trade Center em Nova York.

Esses medos são midiatizados, ocupam semanas a fio páginas inteiras de jornais e revistas e horas de transmissão via rádio e TV. Mas em geral não é o medo do terrorismo ou do comunismo que se vende na mídia, mas o medo a "alguém". A ideologia capitalista americana personaliza a História. Durante a Segunda Guerra Mundial, os americanos não falavam da luta contra o nazi-fascismo, mas sim da "luta contra Hitler". A cultura americana trata de maneira igual seus colegas europeus. No além-mar a leste de Nova York não há sistema ou cultura política, mas apenas a França de Chirac, o Reino Unido de Blair e a Alemanha de Angela Merkel.

Outro aspecto interessante é o cada vez maior isolacionismo vivido pelo país. O isolacionismo pode ser retratado fielmente por meio do esporte coletivo praticado no país, onde várias modalidades têm regras bastante diferentes das adotadas pelas federações internacionais, dificultando muito a integração e a aceitação pelos americanos desses esportes praticados no resto do mundo. O beisebol e o basquetebol são grandes exemplos disso. Nos EUA disputa-se o World Series de Beisebol, com equipes americanas e canadenses, com regras diferentes das praticadas no Japão e na América Latina.