Documentário francês revela feição ''cruel'' de Chirac

"As promessas são feitas apenas para quem dá ouvidos a elas", reflete o herói de um novo documentário sobre o presidente Jacques Chirac, ao fazer uma retrospectiva de cerca de 40 anos de vida política. O tom aveludado e a cadência a

"Dans la peau de Jacques Chirac" (Na Pele de Jacques Chirac) mistura imagens de televisão e noticiários com comentários falados pelo Chirac fictício para apresentar um relato cruel, mas extremamente divertido, de um dos personagens presentes há mais tempo no cenário político da França.

O filme de Karl Zéro e Michel Royer chega em momento difícil para Chirac — no último ano de sua presidência, quando ele está sendo assediado por escândalos e freqüentemente acusado de estar fora de contato com um país intranqüilo, desiludido com seus líderes e cheio de incerteza em relação ao rumo que vem seguindo.

"O drama de tudo isso é que não tenho idéias políticas — exceto, talvez, a de De Gaulle (o ex-presidente Charles de Gaulle) sobre 'uma certa idéia da França' que não tem correspondência alguma com nada real nos dias de hoje", reflete "Chirac", metade chocado e metade divertido com sua própria impotência política.

A rejeição da Constituição da União Européia pelos eleitores franceses, os tumultos de rua nos subúrbios pobres, as reformas atoladas em impasses e uma série de polêmicas, das quais a mais recente provocada pelo perdão dado por Chirac ao ex-ministro dos Esportes, Guy Drut, envolvido num escândalo de financiamento partidário, tudo isso vem prejudicando gravemente a imagem do presidente.

Depois de "Il Caimano", filme recente sobre o ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, "Dans la peau de Jacques Chirac" pinta um retrato sombrio de um líder político determinado a continuar no poder, custe o que custar.

Ao lado de imagens de Chirac fazendo pose ao lado de eleitoras bonitas, beijando bebês assustados ou usando turbante polinésio florido numa viagem ao exterior, o filme justapõe uma série de declarações contraditórias sobre questões que vão desde a Europa até a segurança nas estradas.

"Furei faróis vermelhos a vida toda", gaba-se ele, satisfeito, enquanto percorre Paris em alta velocidade num comboio presidencial.

Mas o filme também revela um afeto paradoxal por seu herói cínico, que, ao longo dos anos, passa de jovem político cheio de ganas a velho cansado e melancólico, que se reconforta ao refletir sobre a longa lista de adversários políticos que já "ferrou".

O filme traça um retrato humano, mas em vários momentos propositalmente ridículo do presidente, mostrando seu apetite tremendo, os sorrisos forçados que exibe em recepções enfadonhas e o susto que leva quando sua temível mulher Bernadette lhe lança um olhar hostil num estúdio de televisão.

Não há nenhuma análise detalhada das controvérsias políticas e financeiras que marcaram sua carreira, mas o filme faz uma crítica implícita e devastadora de um político interessado no poder apenas pelo próprio poder.

"Basicamente, o poder é um tédio", diz o narrador. "Tenho talento para conquistá-lo. Mas, depois de conquistar o poder, ele me entedia e eu não sei o que fazer com ele".