Coalizão lança cartilha sobre liberdade de expressão na internet 

A Coalizão Direitos na Rede – entidade que reúne 37 organizações da sociedade civil pela promoção do acesso, da privacidade e da liberdade de expressão na Internet – acaba de lançar a cartilha Liberdade de Expressão Online e o Papel do Marco Civil da Internet. O objetivo é amplificar o diálogo com parlamentares, comunicadores, operadores do Direito, empresas e demais organizações da sociedade civil.

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Na cartilha, a articulação convida à reflexão sobre o exercício desse direito fundamental e as ameaças que se arvoram no Brasil, numa conjuntura onde o debate público está cada vez mais centralizado em poucas e gigantes plataformas. Afinal, em processo potencializado pela coleta massiva e de tratamento de dados pessoais, a nova “praça pública” de debates tem moldado os mais diversos aspectos da vida social.

As redes sociais possibilitaram maior diversidade de ideias e opiniões em circulação, mas também apresentam novos desafios do ponto de vista da comunicação online e da liberdade de expressão, além do histórico enfrentamento à desinformação, a discursos de ódio e às práticas violadoras de direitos humanos.

“Pressionadas, as empresas de tecnologia têm tirado do ar ou reduzido o alcance de um volume cada vez maior de conteúdos. O uso de inteligência artificial e de mecanismos de machine learning nesses processos também disparou. No Parlamento brasileiro, diversos projetos de lei pretendem atacar este problema alterando o Marco Civil da Internet. Será que este é o melhor caminho?”, questiona o documento.

Em 2014, o Brasil aprovou o Marco Civil da Internet (MCI), uma lei proposta pela sociedade civil e construída de forma colaborativa, com ampla participação popular, que se tornou referência mundial em proteção dos direitos dos cidadãos no ambiente digital. Seus pilares se concentram no respeito à neutralidade de rede, direito à privacidade e a garantia de liberdade de expressão.

O artigo 19 da lei, que trata sobre a liberdade de expressão, determina que a retirada de conteúdo pode acontecer somente por determinação judicial. Antes, se alguma autoridade estivesse insatisfeita com as críticas de um blog, por exemplo, bastava uma notificação para que o provedor de hospedagem se sentisse obrigado a derrubar o conteúdo publicado. Desde a sanção do MCI, a responsabilidade das aplicações intermediárias vale a partir do momento em que estas recebem uma ordem judicial para remover um conteúdo analisado por um juiz.

“Com o MCI, buscou-se aliviar a pressão sobre as plataformas para que atuassem como intérprete da lei, vez que antes ficava totalmente nas mãos das empresas privadas a decisão sobre que conteúdos poderiam circular ou não na Internet, numa lógica que ignorava o papel do Estado e podia resultar em casos de censura privada, desconsiderando, em muitos momentos, o direito de defesa de quem divulgou inicialmente tais conteúdos questionados. Com o advento do MCI, passou a vigorar o princípio da inimputabilidade da rede, segundo o qual o combate a ilícitos na Internet deve ter como alvo os responsáveis pelos mesmos, e não os meios de acesso e transporte a eles”, informa a cartilha.

Ainda assim, milhares de conteúdos continuam sendo removidos diariamente por decisão unilateral das plataformas sob a justificativa de violação dos “Padrões de Comunidade”. O MCI, no entanto, acaba por desincentivar que todo e qualquer conteúdo que receba uma notificação, mesmo sem infringir regulamentos internos, seja derrubado arbitrariamente.

“Sabendo que não são diretamente responsáveis por sua publicação original, se optarem por retirar conteúdos do ar, as empresas assumem a responsabilidade por este ato de moderação. E se, ao remover determinado conteúdo, uma plataforma abusar deste seu poder, ela pode, sim, ser responsabilizada — não pelo conteúdo em si, mas por violar a liberdade de expressão de terceiros. Afinal, se não houver justificativa plausível e se determinada remoção for autoritária, mesmo que não sejam responsáveis pelo conteúdo publicado originalmente, as empresas adquirem responsabilidade pelo ato de moderação indevida.”

Julgamento no STF

Em breve, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar uma ação sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), que versa sobre a responsabilidade por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros.

Com a cartilha Liberdade de expressão online e o papel do Marco Civil da Internet, a Coalizão Direitos na Rede resgata os esforços da sociedade brasileira na construção desse direito na última década, como também aproveita o momento histórico para municiar os mais diversos atores (magistrados, parlamentares, operadores do direito e policymakers) com o arcabouço que reafirma a inimputabilidade da rede como pilar constitutivo da arquitetura da rede e que sobre ela se constituiu um ambiente aberto ao debate público de maneira mais ampla.

“Não foram poucos os episódios de remoções indevidas e do consequente cerceamento à liberdade de expressão dos usuários pelas plataformas. Mudar o paradigma estabelecido pelo artigo 19 do MCI para justamente obrigá-las a monitorar e remover conteúdos mediante decisão própria pode ser muito pior. Mesmo protegidas pela inimputabilidades dos intermediários previstas no MCI, elas já atuam na moderação de conteúdos e há diversos registros de abuso desse poder. Se passarem a ser responsabilizáveis por tudo o que circula em suas redes, os danos à liberdade de expressão serão significativos.”