Governo Bolsonaro paralisa todos os projetos de Reforma Agrária

Reportagem da Folha de S.Paulo, publicada neste sábado (23), informa que sob o governo Bolsonaro, 66 projetos destinado à reforma agrária foram paralisados. Documento interno do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) obtido pelo jornal mostra que há 111.426 hectares prontos para a reforma agrária, espalhados em todas as regiões do país, mas que o número de assentados nesses locais é zero.

Reforma agrária - Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo o Estatuto da Terra, o Estado tem a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra. O objetivo da reforma agrária é proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra para a realização de sua função social. Esse processo deve ser realizado pelo governo federal, que compra ou desapropria terras de grande proprietários, cuja maior parte não é utilizada e distribui lotes para famílias camponesas viverem e trabalharem.

Porém, no levantamento do jornalista Fabiano Maisonnave, aponta que o contingente mais baixo de assentados no Brasil foi em 2017, no governo Michel Temer, com 1.205 famílias. O recorde de assentados ocorreu em 2006, no primeiro governo Lula, com 136 mil famílias assentadas.

Nos últimos 25 anos, a média de assentados é de 54 mil famílias por ano, incluindo 2019. Em outubro, Bolsonaro nomeou para a presidência do Incra o economista ligado ao agronegócio Geraldo Melo Filho. Ele substituiu o general João Carlos Jesus Corrêa, demitido por pressão dos ruralistas, que pressionam por mais celeridade na entrega dos títulos de posse.

Segundo José Batista Afonso, advogado da organização católica CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Marabá (PA), criados desde 2016, esses projetos têm capacidade para assentar 3.862 famílias. “É a primeira vez que isso ocorre no Incra, num momento em que há milhares de famílias para serem inseridas no programa de reforma agrária”, diz.

Afonso atribui a paralisação às novas regras que vêm sendo implantadas desde o governo Michel Temer (MDB). A principal mudança prevê que as famílias têm de se inscrever diretamente, sem participação de movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que Bolsonaro já chegou a classificar de “organização terrorista”.

Depois de cadastrada, a família precisará esperar surgir uma vaga, via edital do Incra, para disputar um lote dentro de um projeto de reforma agrária, em processo semelhante ao de um concurso público.

O advogado do CPT diz que esse sistema é inviável, pois já existem famílias morando nos projetos de assentamento, em alguns casos por dez anos, à espera de regulamentação. “O Incra vai tirar aquela família e colocar uma família nova? Em função desses problemas reais, eles não sabem o que fazer. Seria o caos”, avalia.

Sem a regularização, essas famílias não têm acesso a diversas políticas públicas do Programa Nacional de Reforma Agrária, como linhas de crédito, assistência técnica, melhorias na infraestrutura e demarcação oficial dos lotes. Para o procurador da República Julio Araujo, a seleção por meio de editais em áreas já ocupadas gera insegurança jurídica e risco de violência.

“Em lugares com presença consolidada de beneficiários, sem observar qualquer regra de transição, o Incra parece querer substituir beneficiários e retirar pessoas ligadas a movimentos sociais, sem se preocupar com a vocação para o trabalho rural”, diz Araujo, do Grupo de Trabalho Reforma Agrária, vinculado à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.