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Rodrigo França: Teatro negro, teatro branco

Recentemente, um crítico teatral escreveu um texto com valores nitidamente racistas para o espetáculo Negra Palavra – Solano Trindade. Antes que pensem, não estou na produção do espetáculo. Não precisa me atingir diretamente para que eu possa denunciar o que está grotescamente errado… Há séculos nesse país. Precisamos discutir esse teatro branco do Rio de Janeiro, que se coloca como universal.

Por Rodrigo França*

Negra Palavra

Como o racismo é estrutural no Brasil, cada palavra nesse texto pode se desdobrar em outros estados. Sim, eu vou racialiazar o teatro, assim como já pensava o teatrólogo Abdias do Nascimento. Racializo não só porque o teatro negro tem pesquisa, história e linguagem. Racializo porque o Brasil já é racializado, ainda que de uma maneira escamoteada.

Sendo assim, vemos qual o teatro, mesmo com casa lotada, não recebe as grandes verbas de patrocínio e financiamento. Olha que, quando falamos de patrocínio, estamos discutindo verba pública, que deveria chegar para todos. Mas isso é outra pauta.

Somos 54% da população brasileira e, em novembro – mês da consciência negra –, temos 17 produções no Rio. Ainda é um número muito baixo, pensando em proporção. E olha que estamos no mês em que acreditam que o artista negro só tem boleto para pagar nesse período. Nos demais meses, as produções tendem a ser bem menores.

A democracia racial, que bradam aos quatro ventos, se desmistifica quando observamos o cenário teatral do Rio de Janeiro que é embranquecido. Sempre questionam a ficha técnica dos espetáculos que eu produzo por conter 100% de profissionais negros. Já insinuaram que eu seria um segregacionista. Mas e quando se tem 100% de profissionais brancos?

O produtor tem todo o direito de escalar os profissionais que quiser em seu projeto, mas é desonesto justificar a não existência de profissionais negros de qualidade e se colocar como antirracista em um cenário de tamanha exclusão.

O teatro negro se fortalece a cada ano, multiplicando o seu público. Resistindo num mercado cruel. Com uma história que perpassa por Solano Trindade, Benjamim de Oliveira, Ruth de Souza, Abdias do Nascimento, Ubirajara Fidalgo, Léa Garcia, entre outros. O que chamam de “tradicionais lamúrias”, “choro nem vela”, “teatro primitivo” e “teatro raivoso” eu chamo de TEATRO.

Fazemos Teatro Negro. Este não se estabelece como temática, mas como pesquisa, linguagem e história. Existem diversas formas de fazer arte. O teatro branco faz o que quer, monta “o quê” e “como” achar conveniente e não se questiona isso. O teatro branco quando “panfleta” é vanguardista, é teatro político. Eu adoraria não ter que imprimir, na minha arte, que vivo num país que mata um jovem negro a cada 23 minutos. Sim, podemos chorar, gritar e denunciar em cena. Não espere que teremos projetos eugenistas para o conforto da consciência daqueles que ratificam o racismo.

* Rodrigo França é filósofo, cientista social e dramaturgo