O “povo”, o “pobre” e o fascismo: uma esquerda em busca de um rumo

Talvez seja menos difícil, e com isso não estou dizendo que é mais fácil, para uma pessoa que tem um certo nível de renda e segurança contratual do seu emprego, exigir que o POVO vá às ruas para pressionar esse governo que, em dez meses, devastou o país, de norte a sul, com consequências que certamente durarão muito tempo, a não ser que a história pregue uma peça.

Lula povo
O “onde está o povo?” É uma pergunta que se repete constantemente, num misto de incredulidade e resignação, que se complementa com o “estamos perdidos”. Para essas pessoas o “povo”, com sua incapacidade de ver o abismo à frente, não se move, e caminha como gado para o abatedouro, cena tão bem expressa no espetacular filme de 1925, “A Greve” de Serguei Eisenstein. Os “outros” são o gado e os seus críticos são pessoas que não entendem esse comportamento.

Perdido numa perspectiva idealista, chegando a ser surreal, subtrai-se da análise, a tal “luta de classes”, que em muitos momentos é usado como “remédio de feira” para explicar as idiossincrasias de uma certa esquerda que vê o “sujeito” revolucionário na esquina e que basta um beliscão para que ele se lance contra as elites e assalte o poder, como fizeram os bolcheviques em 11 de novembro de 1917. A “luta de classes” e a “correlação de forças”, um que se remete à necessária análise conjuntural e outro que se liga ao conteúdo organizativo dos organismos que disputam o poder, e daqui excluo, de maneira polêmica, os coletivos, são tratados de forma tal que são subestimados como processo de construção analítica.

Uma rápida olhadela no “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, de Karl Marx, publicado em 1852 e que retrata a trágica passagem da experiência democrática francesa de 1848 a 1851, que culmina com um Golpe de Estado, o fim da efêmera República e o retorno da monarquia, nos mostra as complexidades que existem na luta política, dentro e fora do parlamento e DEVERIA ser estudado nos círculos da Esquerda, principalmente entre os birrentos, para entenderem que a luta política não se move por bravatas e discursos radicais.

Outro texto, que mereceria uma atenção da Esquerda, me refiro a racional, seria “A Guerra Civil na França”, publicado pouco depois da derrota da Comuna de Paris e que analisou os poucos mais de 70 dias da primeira tentativa de instalação de um governo operário e revolucionário no mundo, e que mostra friamente como um governo, inexperiente e em meio a um turbilhão, não conseguiu sustentar-se.

Antes de gritar “cadê o povo?”, aqueles que se proclamam de Esquerda, deveriam olhar no seu entorno e verificar como o domínio do Capital se reflete no campo das ideias e de como a estrutura e as formas de apropriação da riqueza, lança o “povo” num processo contínuo de escolhas de como SOBREVIVER numa sociedade absolutamente excludente, sendo ele “o povo”, massacrado diariamente pelas estruturas econômicas e pelas formas de manipulação midiática, expressas nos espaços de arte, cultura e lazer.

A frieza de se perceber que o governo fascista de Bolsonaro tem forte apoio nas camadas médias, por uma questão de manutenção do que resta do status quo dela, e por camadas pobres, desesperadas e identificando nos governos de centro-esquerda, a razão do seu retorno à miséria, pode dar um rumo, em termos de estratégia e tática, para os partidos mais consequentes da Esquerda, para que elas saiam da redoma em que estão fechados.

A história se repete, ora como farsa (o golpe de 2016), ora como tragédia (Governo Bolsonaro) e caberá um novo movimento, amplo, de reunião de forças conflitantes em busca de um objetivo comum, a democracia, e, para isso, o propósito não é UNIFICAR e sim CONVERGIR.

*Wellington Duarte é professor do Departamento de Economia da UFRN, presidente da CTB-RN e do ADURN-Sindicato