Samuel Oliveira: Igreja e Estado

Se é verdade que vivemos em tempos onde a política institucional é negada na participação social, precisamos ter atenção a um movimento cada vez mais evidente de grupos que no contrário a essa lógica, cada vez mais se põe a uma intensa disposição de estar no poder. Senão por si mesmos, mas com representantes de suas ideias, sustentados por um vasto curral eleitoral. Sem nenhuma discrição, exceto para com a iludida massa de fiéis, forma-se o “Partido Evangélico Neoliberal Anticristão”

Samuel Oliveira

Não é de hoje que vemos uma intensa relação entre igreja e estado. Vimos na história que a igreja cristã primitiva, muito comparada a uma essência comunista, teve como sucessão uma experiência de institucionalização que passa a criar fortes vínculos com o Império Romano e logo se vê uma grande perdição do cristianismo para a lógica financeira. Ainda com a reforma cristã protestante, que proporcionou grandes oportunidades para uma visão social mais avançada dessa agora “segunda igreja”, houve também uma participação destrutiva que tomou mais espaço dentre os cristãos reformados (evangélicos), que foi a intervenção devasta de João Calvino, teólogo da predestinação. Ele associava uma vida dos fiéis à lógica financeira que hoje muito se vê na teologia da prosperidade. [leia o artigo sobre, link ao fim da página] Essa tendência acabou ganhando mais expressão dentre as diversidades teológicas dos movimentos de reforma da igreja, e não atoa que se vê um grande e maior número hoje de igrejas adeptas a essa linha. É importante, ainda resumido a um parágrafo, fazermos essa análise de qual linha seguem essas igrejas de maior proporção no Brasil hoje, afinal é sobre elas que vamos refletir.

Quando olhamos para a política atual e a grande ocupação do setor evangélico seja nos seus representantes ou seja no próprio eleitorado, chega a se confundir o interesse desse setor no poder e o interesse do poder econômico através desse setor. Oriundas historicamente de um distanciamento de muitos dos movimentos comunistas, e cada vez mais cooptadas e instrumentalizadas pelo capitalismo, essas igrejas hoje sustentam um projeto de poder que: vendido à massa de fiéis pelos seus líderes abjetos como uma ação de intervenção religiosa na sociedade, na verdade sustentam e somente fazem serviço ao neoliberalismo como real e evidente objetivo político.

Declaradamente através do senso comum disseminados em meio aos fiéis, ou até mesmo nos púlpitos das igrejas, o setor evangélico se põe numa intensa batalha para ocupar o poder a todo custo. Semelhante a luta da esquerda ou da própria direita para ocupar os espaços da política, o movimento evangélico entra ferozmente nessa disputa e com uma base eleitoral consolidada muito forte, e que resulta hoje numa grande bancada evangélica nos espaços legislativos, bem como diversas figuras desse setor no poder executivo.

Mas isso não cria uma terceira classe para a luta política, se engana quem pensar que há dentro da velha disputa “esquerda-direita” um outro caminho. Apesar de os ardilosos líderes das igrejas mais influentes pregarem esse projeto de poder da igreja colocando-a como algo diferente da sociedade, ou usando um termo evangélico “diferente do mundo”, nos bastidores, ou nitidamente para qualquer análise social simples, esse movimento evangélico se acopla escancaradamente à direita como um braço forte na defesa do neoliberalismo. Como se já não bastasse as heréticas teologias de prosperidade que inibem a consciência de classe dos crentes e os põe como submissos e sustentadores à lógica capitalista, usam de discursos moralistas que facilmente são manobrados com a manipulada fé, para alcançar os espaços da política e reforçar a presença da direita no poder.

Os fiéis, assim como a massa pobre que é enganada pela direita, deposita seus votos e confiança numa ferrenha batalha para levar essa corja de líderes aos espaços de decisão, iludidos por um falso moralismo que nem eles (líderes) mesmo vivem, e cegos à política destrutiva que esses defendem para a sociedade. Enquanto cristão evangélico, me enojo de ver todo esse mar de mentiras, atrocidades que esses líderes causam nos meus irmãos na fé e que brutalmente ferem os princípios verdadeiros de cristo. Não há, por toda a manipulação, uma leitura crítica da massa evangélica sobre os efeitos na sociedade, não há consciência de classe. Ora, se é verdade que os evangélicos têm tido cada vez mais espaço na política, eleito seus “representantes”, e que o setor evangélico tem crescido largamente no meio do povo, deveria haver no mínimo uma indignação contundente para com toda a desigualdade que se cresce na sociedade brasileira na mesma medida.

Pois é, cada vez mais o Brasil tem perdido seu estado democrático de direito. A violência tem crescido aos montes e vem de todos os lados! A miséria, a fome, injustiças, desigualdades e todo o desalento social tem consumido nosso povo. E é nessa sociedade que tem crescido os evangélicos. Logo, não se devia comemorar tanto entre meus irmãos na fé, que nosso campo cresceu, pois não estamos vivendo como cristãos verdadeiros e transformando essa realidade. Isso só reforça o quando o meio evangélico não tem causado diferença na sociedade se não a de empoderar essas lideranças que são fantoches da elite financeira e que usurpam da fé para consolidar seu império e formar alicerces para o capitalismo na sociedade brasileira.

Se faz cada vez mais necessário que os evangélicos façam uma leitura crítica social e teológica da nossa conjuntura para deixar de embasar esse movimento covarde e nojento que o capitalismo tem feito através das igrejas evangélicas. É importante também que os comunistas quebrem os tabus, que se abram para a compreensão da necessidade de nosso povo na conexão religiosa, e que não deixe isso como impedimento ou como distanciamento, para que somando a luta política com uma verdadeira filosofia de vida e prática cristã, trazer a nosso povo a consciência de classe e travar uma intensa luta anticapitalista e quebrar toda essa máquina que se fez no nosso meio evangélico.

O povo se encontra nos mais diversos espaços da sociedade, é na política, é na igreja… Não podemos negar essa realidade, mas cabe a cada um enxergar os resultados objetivos que isso tem gerado, e infelizmente se vê essa grande massa manipulada pelo neoliberalismo. É o pobre defendendo o capital como se fosse ele o detentor da riqueza. É o oprimido sustentando o sistema gerador de desigualdade. Já não cabe mais a nosso povo sustentar um projeto de poder enganador, que não tem nada de diferente da política, mas que é só mais uma arma da direita para promover e manter o capitalismo. Se for para a igreja ocupar o Estado enquanto o símbolo que se associa dela hoje, infelizmente o resultado é a desgraça para nosso povo, e se verá de tudo, menos a Cristo.

A igreja deve então adotar o discurso popular de negação da política? Jamais. Todo indivíduo precisa se entender como um cidadão e participar sim dos momentos e espaços de decisão da sociedade. Todavia, a igreja evangélica, enquanto instituição religiosa mesmo que fracionada em diversas denominações, não deve objetivar um projeto exclusivo de poder, sobretudo porque isso fere e foge largamente dos seus princípios originários nos ensinamentos de Jesus. Mas deve agir como agente transformador na realidade humana, provedor da dignidade, direitos e justiça social. Isso deve se expressar com uma participação ativa na política através das vertentes que verdadeiramente defendem esse ideário, e não cooperar como instrumento de enraizamento do capitalismo sob pretexto contraditório de projeto de poder – estratégia ilusória e equivocada para engajamento dos fiéis.