Democracia ou barbárie: por que resistir aos ataques de Bolsonaro 

Vivemos uma série de indícios que apontam o interesse do presidente da República e seus agregados em romper com a tradição democrática vigente no Brasil desde a Constituição de 1988. Basta ver as declarações de caráter autoritário e desrespeitoso do presidente e de seus filhos.

Por Anderson Ribeiro de Freitas*

Democracia

É o caso da máxima dos últimos dias, em que Eduardo Bolsonaro, após ser perguntando em uma entrevista sobre os protestos no Chile, declara: “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E a resposta pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como aconteceu na Itália. Alguma resposta clara vai ter que ser dada’’.

Isso se junta às censuras que o governo vem provocando por meio de suas estruturas e autarquias, como o caso do filme sobre o revolucionário Carlos Marighella, cuja exibição foi vetada no Brasil pela Ancine. Bolsonaro vem impondo ao Estado uma guinada ditatorial. Para entender os motivos que legitimam a nossa resistência a essas práticas, voltemos ao passado.

Em algum momento da história da humanidade, próximo ao início das coisas, o homem decide por constituir junto aos seus semelhantes um corpo político, capaz de gerir parte da vida individual de todos, para garantir um convívio coletivo seguro e pacífico. Conforme sustenta Thomas Hobbes, em seu livro O Leviatã, o homem prefere desfazer-se parcialmente de sua liberdade, para que este corpo, conhecido hoje como sociedade, seja ordenado por uma estrutura burocrática. Uma estrutura capaz de trazer estabilidade o suficiente para que o homem viva bem.

Imaginem a ausência desse aparelho, um Estado onde todo mundo tem liberdade irrestrita para fazer o que bem entender – sem garantia de penalidade ou consequência direta. Não seria surpreendente se o homem usasse tal liberdade e poder – o que se intensifica a enésima potência se você for um chefe de Estado – para tirar a liberdade de outros, destes ou de sua família, atentando contra o corpo ou os bens alheios.

As pessoas criam o Estado e o alimentam de poder e legitimidade para usar a violência e garantir a ordem coletiva – o que pressupõe garantir direitos individuais e isonomia entre as pessoas. Contudo, vemos ao longo dos séculos que esses Estados são, por muitas vezes, usurpados por pessoas ou grupos, que degeneram o propósito primário do Estado para oprimir, desrespeitar e violentar pessoas ou grupos não alinhados com seus interesses. Esta prática é conhecida como “Estado de exceção” exatamente porque foge à regra criadora do Estado.

Nessas condições, está abalado o pilar central do propósito pelo qual nossos antepassados decidiram dispor de sua liberdade plena para viver em instituições que garantam estabilidade e progresso. O governo, sem legitimidade para legislar, usaria seu poder para oprimir o povo. Assim, é justo que esse povo use igualmente sua força para questionar tais atitudes e restabelecer a ordem principal pela qual existe esse governo.

Para devolver a legitimidade ao Estado e a paz à sociedade, o povo deve questionar a forma como os governantes estão operando a máquina pública. Se necessário, deve se insurgir contra o Estado, ocupando as ruas e se organizando para disputar o poder e constituir um Estado verdadeiramente democrático.

A saída não está em defender irracionalismos, que gerem mais guerra e violência, jogando-nos no caos social. No tratado do contrato social, Rosseau defende que o Estado existe para garantir o bem do povo. Mas, se faz o contrário, o Estado deve ser intimidado ao ponto de reformular suas práticas e reestabelecer a democracia. O poder emana do povo – e, se usado contra ele, deve ser prontamente destituído.

Por fim, estamos num momento em que a democracia e a liberdade são postas em xeque por declarações e práticas autoritárias de Bolsonaro. A sociedade civil e as organizações de direito privado devem estar atentas para questionar o governo e se levantar para garantir a democracia. É preciso constituir uma frente ampla, capaz de agregar diversos setores da sociedade interessados na defesa da democracia e do Estado democrático de direito, para defender as conquistas que estão sob ameaça e – o mais importante – para disputar e debater os rumos do Brasil no próximo período.

* Anderson Ribeiro de Freitas é diretor do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo (DCE Livre da USP)