“Não se brinca com democracia”, afirma Orlando Silva

Autor do pedido de convocação do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno Ribeiro, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) disse ter considerado “gravíssima” a afirmação feita pelo general da reserva e por isso quer que ele se explique ao plenário da Câmara. Na semana passada, Heleno saiu em defesa do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que pregou a edição de “um novo AI-5” para conter uma possível “radicalização” da esquerda no País.

Por Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

Orlando Silva critica decreto que facilita armamento da população - Foto: Agência Câmara

“Não se brinca com democracia”, afirmou Orlando. “É um erro o Planalto agir para manter a polarização na sociedade.” Ao lembrar que Heleno é um dos mais próximos conselheiros do presidente Jair Bolsonaro, o deputado disse que ele deveria mais suas palavras. “O que ele fala reflete uma posição política do governo”, argumentou.

Para Orlando, o filho “zero três” de Bolsonaro deve receber uma punição no Conselho de Ética da Câmara, mesmo tendo recuado e pedido desculpas por apoiar “um novo AI-5”. O deputado não defendeu, porém, a cassação do colega. “Cassação de mandato é o limite. É uma pena capital e é preciso tomar muito cuidado porque viola inclusive a soberania do voto popular”, afirmou.

Por que o sr. decidiu apresentar o pedido de convocação do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno?

Eu propus convocar o ministro Heleno porque considerei gravíssima afirmação dele, dada em entrevista ao Estadão, de que se deveria estudar qualquer medida assemelhada ao Ato Institucional n.° 5. A barbaridade dita pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi corroborada pelo ministro Heleno.

O AI-5 é uma página triste da história brasileira e a sociedade, particularmente as autoridades públicas, devem rechaçar qualquer insinuação autoritária. Um ministro palaciano, tão próximo ao presidente, tem obrigação ainda maior de rechaçar isso e ser mais cuidadoso com o que fala.

O Brasil é uma democracia e nós temos de zelar por ela. Não se brinca com a democracia.

O ministro está dizendo que foi mal interpretado. O sr. acredita que ele se arrependeu do que disse?

O ministro Heleno erra quando acusa a imprensa livre de manipular as manifestações das autoridades. E já que ele diz que tudo que a imprensa publica é distorção, ele terá oportunidade, no plenário da Câmara, de se explicar e reafirmar o seu compromisso com a democracia, rechaçando qualquer insinuação autoritária a la nova versão de AI-5.

Não se deve reprimir nem ameaçar com repressão as manifestações democráticas feitas dentro da lei. Se a imprensa distorce, ele vai ter a chance de recuar da declaração infeliz que aparentemente fez.

O sr. acha que há um acirramento dos ânimos no País? O clima do “nós contra eles” pode ser perigoso?

Eu acredito que é um erro o Planalto agir para manter a polarização política na sociedade. O Brasil vive uma crise econômica muito grave, desemprego com números alarmantes. O papel do governo é liderar o País para sair dessa crise, e não reforçar essa polarização, seja atacando a oposição, seja atacando a imprensa livre, que tem obrigação de publicar tudo aquilo que é notícia.

Na sua opinião, o que o ministro Heleno disse reflete a posição do presidente Jair Bolsonaro e das Forças Armadas?

O ministro Heleno é dos mais próximos ao presidente da República e o que ele fala reflete uma posição política do governo. Eu sei que ele não reflete o pensamento das Forças Armadas, mas, aparentemente, reflete o pensamento do presidente da República. Por isso é tão delicada essa matéria.

Que as Forças Armadas têm compromisso com a Constituição eu não tenho a menor dúvida. Mas importa que o governo tenha compromisso com a Constituição.

O sr. acha que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) deve ser levado ao Conselho de Ética e até perder o mandato por defender um novo AI-5, mesmo depois de ter pedido desculpas?

O Conselho de Ética deve instaurar um processo e aplicar uma sanção proporcional ao ato praticado pelo deputado Eduardo Bolsonaro. Cassação de mandato é o limite, é uma pena capital e é preciso tomar muito cuidado porque viola inclusive a soberania do voto popular. Há outras sanções possíveis, de acordo com o Código de Ética da Câmara.

No Planalto o que se diz é que o sr., sendo da oposição, quer mesmo ser o protagonista de mais uma derrota para o governo. Como o sr. responde?

Eu apresentei o requerimento (de convocação do ministro Augusto Heleno) na sexta-feira e nem fiz onda porque o meu objetivo não é esse. Espero que o requerimento seja votado e que o ministro possa vir rapidamente, para que nós possamos desanuviar o ambiente.