Chile: Não há silêncio que nunca acabe

“Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos”.

Salvador Allende

Chile manifestação
Por Márcio Dias*

Demorei a emitir uma opinião sobre os últimos acontecimentos no Chile. Queria observar mais a situação, colher mais elementos para não cometer erros de avaliação iguais aos de alguns que, diante de acontecimentos dessa natureza e, por mero oportunismo, veem a explosão revolucionária acontecendo na esquina.

Mas, o fato é que o país andino vive dias de ebulição política e social contra as políticas ultraliberais que arruinaram com vida do povo. E isso ocorre 29 anos depois do Golpe de Estado que pôs fim ao governo de esquerda e à vida do presidente Salvador Allende, covardemente "suicidado" no Palácio de La Moneda pelos militares sob o comando do general Augusto Pinochet e outros tiranos com o apoio da CIA. Isso foi em 1973.

Por mais de 18 anos esses assassinos impuseram o terror contra o povo chileno, prendendo e eliminando fisicamente os opositores e combatentes da luta pela democracia. Foram registrados 3.200 assassinatos e quase 40 mil entre torturados e desaparecidos.

Mas, a ditadura não foi somente política, foi também econômica e por mais de 40 anos, inclusive, no período "democrático", o Chile e os chilenos foram submetidos as chamadas "reformas" ultraliberais com o apoio e incentivo dos EUA e sob as bênçãos do FMI.

Privatizaram tudo, da água à previdência social, com a chamada capitalização. Com a promessa de que com a privatização o Estado seria saneado economicamente para reduzir preços de tarifas e criar oportunidades para todos e, enfim, o Chile iria para o "primeiro mundo".

O Chile passou a ser "vendido" para o mundo, inclusive, pela gang que está no poder em nosso país, como um país rico, uma Suíça na América Latina.

Mas, a realidade é que as tais "reformas" ultraliberais ampliaram dramaticamente as desigualdades sociais no país e o que se viu foi o povo trabalhador com salários miseráveis e benefícios de aposentadorias ainda mais miseráveis. O número de suicídios entre os idosos disparou. Os ricos, ao contrário, mudaram de patamar e passaram de milionários para bilionários.

Diante dessa situação, ao povo chileno não restou outra alternativa a não ser partir para o enfrentamento e mostrar ao mundo o que de fato está acontecendo no país expondo a verdade, significado e motivos da sua luta que é contra a ditadura do mercado financeiro e contra uma burguesia obtusa e perversa que não hesita em cometer atrocidades.

No Chile, a ditadura militar foi "derrotada" em 1990 mas, como em toda a América Latina, a sombra dos militares e o entulho autoritário são uma realidade concreta e constante contra o povo e a democracia e, presentemente, com o aumento da pressão popular contra o governo ultraliberal de Piñera, não foi diferente. O cretino não se fez de rogado, decretou "estado de emergência", "toque de recolher" e apelou para a repressão militar com espancamentos, prisões e assassinatos.

O governo contra o povo; o exército contra o povo; os carabineiros contra o povo; a mídia contra o povo; o dinheiro contra o povo, enfim, a burguesia chilena e seus aliados mais uma vez massacrado o povo e suas lideranças. O saldo nefasto dessa covardia é que até esta data, 20 pessoas foram assassinadas, incluindo uma criança de 4 anos e milhares estão feridos.

Mas, partidos de esquerda, movimentos sociais e personalidades políticas não se intimidaram e estão na luta. O povo se manteve firme nas ruas, os trabalhadores foram à greve e o tirano Piñera teve que ceder. Demitiu todos os ministros e apresentou algumas poucas medidas paliativas oferecendo migalhas ao povo. Uma tentativa desesperada de "dar os anéis para não perder os dedos".

Tudo em vão e nesse décimo sétimo dia de protestos Piñera sabe que sua agenda econômica arruinou a vida do povo e a revolta contra o neoliberalismo, contra a privatização e a favor da democracia vai continuar.

Cabe ressaltar que diante de tudo isso, o povo chileno, ao que parece e pelo que demonstra, perdeu tudo o que tinha, pois lhes tiraram tudo, inclusive, como dito em cartazes carregados por manifestantes, o medo de perder a própria vida e por isso mesmo, eles tem tanta determinação.

Finalmente, os chilenos, com o povo mapuche a frente, estão sepultando a ditadura militar com suas atrocidades e o silêncio que lhes foi imposto, e o que restou de todo o entulho autoritário com neoliberalismo com tudo. Ditadura nunca mais! Fora Piñera! Fora assassinos! Viva a democracia e a luta do povo!