Impacto dos discursos na Argentina de Alberto, Cristina e Kicillof

Diziam que não voltaríamos mais. Voltamos e vamos ser melhores”. Com estas palavras, Alberto Fernández celebrou, diante de uma multidão em polvorosa, a vitória eleitoral deste domingo (27), no bairro de Chacarita, em Buenos Aires. Com o país afundando em uma grave crise econômica, o povo argentino escolheu o ex-chefe de gabinete de Néstor Kirchner e sua vice, Cristina Kirchner, como alternativa para o fracasso de Mauricio Macri como condutor do país.

*Por Felipe Bianchi, para o Comunicasul*

Argentina discursos - Tania Ferreira

"Cada palavra que demos, cada compromisso que assumimos, é um contrato moral e ético com o nosso povo, sobre o país que queremos construir”, declarou Fernández. “Conscientes do que somos e da confiança que temos depositadas em nós, trabalharemos para que as fábricas e as máquinas paradas voltem a funcionar,para que as pequenas e médias empresas voltem a funcionar, para que os trabalhadores voltem a trabalhar, para que a educação pública não seja uma desgraça, como disse Macri, e para que os cientistas não tenham que migrar”.

Com 97% das urnas apuradas, o candidato do peronismo arrematava 48,1% dos votos válidos, enquanto o mega-empresário Mauricio Macri conseguiu 40,4%. O trunfo da “fórmula” (chapa) da Frente de Todos foi a unidade. “Creio que nada é casual. Em maio, Cristina teve a ideia de propor a minha candidatura”, lembra Fernández. No dia 18 de maio, Cristina chacoalhou a política argentina ao publicar um vídeo de mais de 12 minutos anunciando a sua candidatura à vice-presidência, quando todas as projeções apostavam que ela seria a presidenciável.

“Agradeço a todos os argentinos e argentinas que saíram a votar e que escolheram uma nova lógica para conduzirmos o país. Obrigado pelo compromisso de construirmos, todos juntos, um país mais solidário, mais igualitário, que privilegie os que produzem e os que trabalham, que privilegie a educação pública e a saúde pública”, pontuou em seu discurso no bunker da Frente de Todos. “Estou seguro de que este é o mandato que vocês escolheram ao votarem em nós. Obrigado, também, aos que votaram em outros candidatos, por terem participado desta jornada democrática. Esta não é a frente de nós mesmos, é a Frente de Todos. Nasceu para incluir todos os argentinos e, por isso, convocamos a todos os argentinos”.

Fernández também deu recado à oposição, para que, frente à situação dramática de milhões de argentinos, optem pela cooperação e não pela sabotagem. “Quem quer que seja nossos opositores neste quatro anos, que sejam conscientes: ajudem-nos a reconstruir este país, que está em ruínas”. “A Argentina que está por vir precisa do compromisso de todos. Vamos fazer a Argentina que nós merecemos! Não é verdade que estamos condenados à esta Argentina que temos hoje, tão lastimada. Vamos construir uma Argentina digna, o país que sonharam nossos melhores heróis, nossos melhores homens e nossas melhores mulheres. Não seremos eu e Cristina, seremos todos e todas, como sempre fizemos”.

Casualidade ou não, o retorno do projeto nacional e popular iniciado com a eleição de Néstor Kirchner, em 2003, ocorreu no mesmo 27 de outubro, porém em 2010, em que o ex-presidente faleceu, vitimado por uma parada cardíaca. “Hoje, 27 de outubro, é o dia que Néstor nos deixou. Obrigado, Néstor, onde quer que você esteja, pois você semeou este processo que estamos vivendo. Quando Néstor pagou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e nos liberou do FMI, não foi Néstor que pagou. Foi o povo argentino. Estou convencido que, comigo e Cristina, o povo ajudará a construirmos a Argentina que merecemos”, declarou Fernández. “Não seria justo não reconhecer tudo o que Néstor fez por nós e a enorme possibilidade que deu a mim, de viver essa formidável aventura de colocar de pé um país caótico”.

Diante da multidão que se aglomerava nas ruas em frente ao bunker, Fernández ainda lembrou de um amigo, preso político, no país vizinho. "Hoje é aniversário de Lula, que está preso injustamente, por motivos políticos. Lula livre", bradou.

Cristina: “É preciso democratizar a economia”

“Talvez os jovens não entendam com clareza, mas acreditem, houve outras épocas em nossa pátria.. Hoje é quase natural, lógico, mas parte da história e das tragédias deste país se fizeram a partir da falta de democracia”, afirmou Cristina Kirchner, no começo de seu discurso, apontando para a presença das mães e avós da praça de maio, que tiveram filhos desaparecidos, torturados ou assassinados pela ditadura militar que se abateu sobre o país entre as décadas de 1960 e 1980. Segundo ela, é preciso celebrar a liberdade de escolher, nas urnas, um projeto para o país.

Interrompida constantemente pelos cânticos da multidão, Cristina agradece: “Sempre me impressionou esse apoio, esse amor que demonstram por mim, Néstor, por nossos símbolos. Agradeço profundamente por isso. Agradeço, também, às centenas de milhares de cidadãos e cidadãs anônimos que vêm resistindo e que têm sentimentos e pensamentos que nos ajudam a manter-nos em pé. Agradeço o carinho e o afeto de todos, em meu nome, em nome de Máximo e em nome de Florencia”, complementa, citando seus filhos, que também são vítimas da perseguição judicial contra a mãe.

“Hoje, Alberto é o presidente de todos os argentinos. Este homem que assumirá o país no dia 10 de dezembro precisa do esforço de todos. É preciso reflexão e esforço para passarmos por esta experiência econômica. Quero pedir, a todos os homens e mulheres que estão aqui, de distintas vertentes do campo nacional, democrático e popular: por favor, nunca mais rompamos a unidade necessária para enfrentarmos o projeto neoliberal que tanto mal nos causa”, declarou Kirchner.

Ela também fez apelo aos que permanecem na Casa Rosada até a transição de governo. “Vou pedir, em meu caráter de ex-presidenta exercido durante dois mandatos neste país, por favor, até 10 de dezembro, tomem todas as medidas que devem tomar para sanar o drama econômico que vive o país. É sua responsabilidade. Os presidentes são presidentes do primeiro que dia que assumem ao último dia antes de irem embora. Por isso, senhor presidente, é sua responsabilidade cuidar do patrimônio do povo e da nação argentinos até 10 de dezembro”.

Já do lado de fora do bunker, com as ruas tomadas de militantes, Cristina prosseguiu: “O que está passando no Chile e o que passou recentemente no Equador tem de abrir nossa cabeça. Não só a nós, políticos, mas dirigentes sociais, dirigentes empresariais, sobre o modelo que queremos para as nossas sociedades. O que acontece hoje na Argentina e em toda a região é a demonstração clara que precisamos de mais democracia e que a economia também seja democratizada. Alberto eleito presidente e Axel Kicillof eleito governador em Buenos Aires significa que os argentinos compreendemos que são necessários modelos de inclusão. A partir de 10 de dezembro, começa uma nova etapa para todos nós, argentinos e argentinas”.

Sobre Kicillof, ministro da Economia de seu segundo governo, entre 2013 e 2015, Cristina celebrou: “Para mim, é um imenso orgulho que o meu ministro de Economia seja eleito governador de Buenos Aires. É um reconhecimento político que me orgulha. Axel terá uma tarefa muito difícil, devido ao cenário de terra arrasada, mas confio plenamente em sua capacidade”.

Axel Kicillof: a compreensão da realidade venceu as fake news

Quadro importante do kirchnerismo e ex-ministro da Economia de Cristina, Axel Kicillof teve uma vitória contundente na eleição para o governo da província de Buenos Aires, um dos mais importantes cargos políticos do país. Com 95,67% de escrutínio, Axel alcançou a marca de 52,28% dos votos, contra apenas 38,39% de Maria Eugenia Vidal, candidata à reeleição pelo macrismo.

“Hoje, uma vez mais, falou o povo argentino. Decidiu o povo argentino. Decidiu o povo da província de Buenos Aires. Tenho a convicção de que a unidade do campo popular, de todos os dirigentes e setores do campo popular, foi fundamental para este resultado. Esta unidade significa termos compreendido profundamente a necessidade de construí-la. Quem ganhou foi a política, a mobilização popular, a solidariedade”, declarou, ao lado de Fernández e Cristina, no bunker da Frente de Todos.

“A Argentina deixada por Macri”, de acordo com Kicillof, “é de terra arrasada”. “Qualquer leitura dos números mostram que, após quatro anos, houve uma queda acentuada no Produto Interno Bruto (PIB). É um retrocesso de quase 10% em apenas quatro anos. Duplicaram a dívida externa, duplicaram a taxa de desemprego. Não é um número vazio”, diz.

Em seu discurso, o novo governador de Buenos Aires teceu duras críticas à forma com que Macri conduziu o embate político durante os quatro anos de seu governo. “Estamos diante de um completo fracasso de modelo econômico, que é o neoliberalismo, mas também é um fracasso de uma forma de governar, baseada em marketing, publicidade e manipulação das redes sociais”, detonou. “A forma de governar que triunfou hoje é o inverso: uma aposta na participação, na mobilização, no diálogo. Não podemos governar na base de perseguições, de trolls, de notícias falsas e de uma sensação permanente de divisão forjada nesses mecanismos. Que cuidemos do trabalho, do salário, dos aposentados, dos trabalhadores, da saúde e da educação público, dos professores e das professoras”.


Assista à integra dos discursos: