Contra onda conservadora, esquerda se arma para as eleições 2020 

A menos de um ano dos pleitos municipais de 2020, a esquerda vê com otimismo o próximo ciclo eleitoral. Devido à insatisfação popular com a situação do País –incluindo os altos índices de desemprego – e as constantes crises que minam a popularidade do governo Bolsonaro, lideranças da oposição miram vitórias em prefeituras estratégicas. O desempenho em 2020 é considerado decisivo para traçar o caminho da corrida presidencial em 2022.

Esquerda

Os partidos têm discutido as táticas eleitorais, mas a expectativa é de uma definição só em março. “Até agora, só foi feita a tese dessa tentativa (de unidade). Começam a ter os impasses principalmente quando você coloca o nome de cada capital porque cada um quer, legitimamente, fazer seu partido crescer, quer ter candidatura própria. Não se chegou a analisar casos concretos, um a um”, afirma o presidente do PDT, Carlos Lupi. “O grande problema é colocar a tese em prática. Esse é um desafio que a gente vai ter que viver”, completou.

No Rio de Janeiro, o PDT estuda lançar a ex-delegada Martha Rocha para prefeitura. Ela concorreria com Marcelo Freixo, do PSOL, Alessandro Molon, do PSB, e Brizola Neto, do PCdoB. O PT, por sua vez, considera abrir mão de uma candidatura própria na cidade. “Estamos conversando e tem uma boa aproximação. Os partidos podem definir que, no primeiro turno, cada um saia com seu candidato para unificação no segundo turno. Mas, claro, se tiver uma candidatura muito mais expressiva dessa frente, já pode sair no primeiro turno”, afirma a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Entre as prioridades definidas pelo grupo de trabalho eleitoral nacional do PT, está o lançamento de candidaturas em Belo Horizonte (MG) e em São Paulo (SP), mas ainda sem nomes definidos. Na capital paulista, Orlando Silva (PCdoB) e Márcio França (PSB) já são nomes pré-lançados na disputa.

No Nordeste – onde quatro governadores são petistas –, há um esforço para lançar candidatos na maioria das capitais. Marília Arraes é pré-candidata no Recife (PE), onde pode disputar com João Campos (PSB) e Túlio Gadelha (PDT). Outros nomes petistas discutidos são Luizianne Lins em Fortaleza (CE) e Natália Bonavides em Natal (RN).

Em Porto Alegre, por outro lado, têm avançado conversas entre PT e PSOL para apoiar a candidatura de Manuela D’Ávila (PCdoB), vice de Fernando Haddad (PT) na corrida presidencial de 2018. O ex-presidenciável não deve ser uma opção nas urnas no próximo ano. Na capital gaúcha, Juliana Brizola pode concorrer pelo PDT.

Além de questões locais, a dificuldade de unificar candidaturas esbarra em interesses mais amplos de cada legenda. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, em entrevistas recentes, que o partido tenha um amplo número de candidatos para usar o tempo da propaganda eleitoral para se defender.

A diretriz foi confirmada por Gleisi Hoffmann. “O processo eleitoral de 2020 é importante para o fortalecimento do partido, das nossas propostas e para a nossa defesa também, para desconstrução do que o partido sofreu em todo esse período. É a oportunidade que a gente tem para falar de forma mais próxima e abrangente com a população. É uma estratégia que, obviamente, a gente tem como referência”, afirmou.

Em meio à expectativa de uma possível libertação, Lula continua a influenciar o cenário político. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, citou declaração do ex-presidente de que o PT deveria lançar nomes em todos municípios como um possível entrave. “Se for para valer essa declaração, não haverá união”, diz Siqueira. Segundo ele, apesar de haver disposição de diálogo, alianças eleitorais em 2020 ainda não foram discutidas entre as duas legendas.

Os integrantes das cúpulas partidárias têm se dividido entre os interesses de cada sigla, uma busca em responder à crítica da fragmentação em 2018 e em fortalecer o campo para a corrida presidencial em 2022. “O que a eleição municipal define é o simbolismo, para a sociedade. Se a gente conseguir estar unido em algumas capitais traz uma força, mas não é decisivo”, afirmou Lupi.

Para o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, a menor fragmentação na disputa municipal é uma necessidade para exaurir a onda conservadora de 2018. “Derrotar Bolsonaro passa por enfraquecer a extrema-direita em 2020. É importante que haja mais prefeitos da oposição. Ajuda que a oposição chegue mais forte em 2022. Agora, se a oposição vai chegar unificada em 2022, é impossível dizer agora.”

Apesar de reconhecer a pressão de eleitores e da militância pela unificação, Medeiros afirma que isso não pode ser tratado como uma camisa de força. “Não pode ser obrigatório para o PSOL, PCdoB, PT, PSB, PDT estar junto em lugares onde não há base política comum para que isso ocorra”, afirmou à reportagem, em referência estados e municípios em que o PSOL é oposição a governos do PSB ou PT, por exemplo.

De modo geral, a expectativa entre os presidentes de partidos progressistas é de uma vitória eleitoral no próximo ano devido à baixa popularidade do governo de Jair Bolsonaro. “Não acredito na repetição do bolsonarismo. Acho que esse ‘mito’ está sendo desmistificado aos poucos”, avalia Carlos Lupi. Para o presidente do PDT, há uma tendência de crescimento grande das oposições, principalmente nas grandes cidades.

Na opinião de Juliano Medeiros, é uma oportunidade de conseguir eleitores descontentes com o cenário atual. “A experiencia prática está fazendo com que as pessoas, pouco a pouco, percebam que as promessas da extrema-direita são ilusões e, portanto, vão voltar a olhar para as promessas da esquerda, da centro-esquerda como propostas que possam receber novamente uma chance. O desastre que é o governo Bolsonaro abre excelentes perspectivas para a oposição em 2020”, afirmou.

As dificuldades do governo Bolsonaro de lidar com demandas dos municípios em meio à crise econômica também devem ser exploradas. “Embora as eleições sejam locais, vamos ter um componente nacional forte no debate por tudo que está acontecendo no Brasil”, comenta Gleisi Hoffmann. Para ela, não tem como discutir, por exemplo, uma política de saúde sem discutir o financiamento do SUS no nível federal. “Os municípios têm também muita dificuldade de fazer investimentos com recursos próprios. Dependem muito da união, de financiamento.”

A escalada das críticas à Operação Lava Jato, com o vazamento de mensagens entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da força tarefa em Curitiba (PR), é vista como outro fator favorável pela esquerda. “Ficaram claras as violações ao Lula na condução coercitiva, no vazamento da gravação, no instituto [planejado pelo procurador Deltan Dallagnol] para fazer palestras. O objetivo não era o combate à corrupção, mas interesses particulares”, afirma a presidenta do PCdoB, Luciana Santos.

Nos bastidores, algumas lideranças progressistas defendem que o PT abra mão de candidatura própria em 2022 e outros entendem que a atuação do partido é imprescindível para o sucesso de uma aliança nacional. Terceiro colocado na corrida pelo Palácio do Planalto em 2018, Ciro Gomes (PDT) tem rodado o País e insistido na crítica ao PT. No PCdoB, nomes como o do governador Flávio Dino, da deputada federal Jandira Feghali e de Manuela D’Ávila são considerados de projeção nacional.

Tanto Lula quanto Gleisi têm indicado que a legenda não desistirá do protagonismo. “O PT é o maior partido da esquerda latino-americana. Há, até por parte da sociedade brasileira, uma expectativa de que o PT apresente candidato”, diz a presidenta da sigla. “Mas óbvio que, se a gente se dispõe a conversar numa frente de esquerda, não vamos chegar impondo nada.”

Para Carlos Lupi, o embate não terá fim sem uma mudança do discurso petista. “Esse é o grande problema do PT: a visão do PT é sempre hegemônica. Todos nós somos bonitos e bons para apoiá-los e feios e com defeitos para sermos apoiados. Esse é o grande desafio e se o PT não entender que se não apoiar não vai ser apoiado, não vai ter nunca essa conversa”, conclui.