Luis Eduardo Escobar: Protestos no Chile podem levar a uma revolução 

Protestos em diversas regiões tomam conta do Chile desde o dia 18, mesmo com a repressão do governo Sebastián Piñera, que decretou estado de emergência e toque de recolher. A revolta, iniciada em protesto contra o aumento da tarifa do Metrô de Santiago, já deixou ao menos 15 mortos, 200 feridos e 2 mil presos. Segundo o economista Luis Eduardo Escobar, são as maiores manifestações desde a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), com “potencial verdadeiro para levar a uma revolução”.

Luis Eduardo Escobar

Diretor do Centro de Estudos de Desenvolvimento (CED) do Chile, Escobar foi coordenador econômico do adversário de Piñera nas últimas eleições, Alejandro Guillier. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ele afirmou que “situação econômica estável” do país sul-americano não basta “para resolver os problemas enfrentados pela população mais pobre”.

“Até antes dos protestos, as projeções eram de que a economia chilena iria crescer 2,5%, o que não é espetacular, mas é uma taxa de crescimento bastante aceitável perante a situação econômica internacional”, afirma. “A inflação está controlada, abaixo de 3% ao ano. O desemprego também não está muito alto, apesar de ter aumentado gradualmente nos últimos meses. É uma situação medíocre, mas não ruim.”

Por que, então, a insatisfação popular tão generalizada? Para Escobar, o aumento da tarifa do transporte público em 30 pesos foi uma espécie de “gota d’água”. Antes desse reajuste específico, houve “uma série de aumentos nos preços que foi aplicada pelo governo nos últimos meses” – caso das tarifas de eletricidade e água potável. Além disso, “é a quarta vez em dois anos em que se aumenta o preço das tarifas de transporte”. Sem contar o “aumento regular nos preços de seguros de saúde”.

Em compensação, os salários – que vinham crescendo a uma média anual de 2% ao ano – agora crescem não mais do que 1% ao ano. “Não é que o Chile tenha problemas sérios em níveis macroeconômicos”, conclui Escobar. “Mas os grupos com salários mais baixos enfrentam o aumento crescente dos preços – e com isso vem a impotência frente a um sistema que funciona à margem da população passando por necessidades.”

A presença maciça da juventude, “de forma muito pacífica”, é uma marca dos protestos deste agitado outubro. Segundo o economista, como a maioria desses jovens não votou nas últimas eleições, “não é um protesto contra a ordem política tradicional – mas, sim, uma insatisfação generalizada”.

Ainda que grandes manifestações estejam pipocando em vários pontos do mundo – em especial na América Latina –, Escobar vê problemas próprios do Chile no pano de fundo do levante. Ele cita “o péssimo sistema de pensões”, “a má atenção ao sistema de saúde pública” e “a séria dificuldade que o sistema educacional público enfrenta, utilizado por boa parte da população”.

A tudo isso se soma a desigualdade. “Aqueles 80% de pessoas com renda mais baixa no Chile têm dificuldades para chegar ao fim do mês, estão altamente endividados”, diz Escobar. A situação dos mais pobres também tem sensibilizado os estudantes.

“Muitos jovens que estão nas ruas não sofrem diretamente a maioria dos problemas que atingem a maior parte da população. Mas eles observam, em suas casas, os avós que recebem pensões baixas e vivem na pobreza, os pais que têm problemas para pagar as contas no fim do mês, o alto nível de endividamento das famílias”, diz o economista. “Os universitários tradicionalmente são porta-vozes da insatisfação social. E creio que neste caso não foi diferente.”

“É importante ressaltar que muitas donas de casa também foram às ruas para protestar. Elas ajudaram a organizar seus bairros para se defender das pessoas que realizam saques, além de garantir que os protestos sejam pacíficos”, agrega Escobar.

Na opinião do economista, a dimensão “surpreendentemente massiva” dos atos – o que não se via desde a ditadura de Pinochet – pode mudar o Chile. “As pessoas desafiam os militares e a polícia nas ruas, coisa que não ocorria no governo militar, porque sabiam que os militares disparavam. É uma coisa que tem um potencial verdadeiro para levar a uma revolução.”