Capobianco: Como o banquete neoliberal gera desigualdade e desemprego 

A partir dos anos 1930, foi-se consolidando em certos países do bloco capitalista o “welfare state”, ou Estado do bem-estar social. O capitalismo gerador de pobreza e desigualdade dava lugar a um sistema com mais proteção e seguridade social aos trabalhadores – e com Estado forte e intervencionista para maior controle da demanda, dos investimentos públicos e da inflação.

Por Antônio Marcos Capobianco*

Paulo Guedes

Entretanto, para muitos países, a fase “welfare” foi apenas como se o vampiro do capitalismo, sugador compulsivo, estivesse sob medicamentos para tirar a fome, comer menos mais-valia, menos precarização do trabalho. Mas, sujeito a uma crise de abstinência, a primeira recidiva deu-se em 1974-75 com a primeira recessão após a Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, historicamente, o glutão sempre se fartou, mas foi nos oito anos de PSDB que se empanturrou gulosamente do patrimônio público. No governo seguinte, de 2003 a 2011, o país experimentou o máximo de bem-estar social, passou de 13ª para 6ª economia mundial, e 40 milhões saíram da pobreza. Aí quem pôde comer e respirar foram os mais pobres. Mas, passada a crise anoréxica, o vampiro voltou, agora com a máxima sofreguidão, própria do capitalismo neoliberal atual.

Com a globalização e a financeirização, as políticas monetária, fiscal e cambial são enquadradas pelo rentismo, inviabilizando programas sociais. Nas últimas décadas, enquanto o PIB mundial cresceu em média entre 2% e 2,5%, as aplicações financeiras renderam em média 7% ao ano. Ficou mais interessante aplicar os ativos da empresa em títulos da dívida pública do que investir na sua expansão. Privatização, abertura comercial e desregulamentação do emprego são as palavras de ordem.

Sob o argumento da redução do desemprego impõem-se terceirização, contratos de curta duração, pejotização e ataque aos sindicatos. Mas, no neoliberalismo, a “auri sacra fames”, a cupidez, tem fome de muito mais: querem se apropriar, capturar o Estado, dispor de suas rendas e do patrimônio público, querem as privatizações.

Agora, com o capitão da ultradireita, temos um banquete ultraneoliberal. A Petrobras (com o pontapé inicial do velho chef José Serra) já está em processo de avançada deglutição. Isso significa menos recursos, especialmente para a educação, menor controle da inflação, menor arrecadação – e usurpação, como foi o caso da venda do gasoduto do Sudeste (NTS) por valor (R$ 6,279 bilhões) equivalente ao que a Petrobras terá de pagar ao novo dono por apenas 18 meses de uso do mesmo.

Sob FHC foi torrado, por US$ 100 bilhões, um patrimônio de cerca de US$ 2 trilhões. Agora a tragédia se repete com o presidente mais reacionário de nossa história, assessorado pelo “neochicago boy” Paulo Guedes, o mais bem talhado vendilhão da República. Com a nova realidade (do lucro) nas ex-estatais, vem mais precarização do trabalho, demissões, fuga de capitais, declínio da soberania nacional, menor investimento em operações mais custosas ou em localidades distantes.

Ainda que não comprassem com recursos obscenamente favoráveis arrebatados do Estado (BNDES, etc.), e fosse com preço justo – e apenas as empresas menos estratégicas –, haveria sempre que se perguntar: quem bancou a sua criação? Somente uma consulta a esses e ao seu aval tornaria ética a transação.

Pois quem fornece a maior parte dos recursos ao Tesouro é o mais pobre. O cidadão comum não se dá conta da infâmia que isso representa. O patrimônio das empresas estatais é fruto do trabalho da maioria trabalhadora e muito menos da classe rica. Isso porque, do montante recolhido dos impostos, a parte majoritária sai do conjunto dos bolsos da população mais pobre.

Cerca de 53,79% do valor arrecadado é recolhido do contingente de brasileiros com renda de até três salários mínimos mensais e totalizam 79,02% dos contribuintes. A faixa de zero a dez salários mínimos, que abrange 96,76% dos contribuintes, fornece 83,07% do total dos impostos. E a faixa que ganha acima de 20 salários mínimos, e que representa apenas 0,84% da população, contribui com indecentes e irrisórios 7,3% do total arrecadado.

O próprio FMI alerta para os riscos das privatizações: têm gerado maior desigualdade e desemprego, reduzindo a demanda e prejudicando a sustentabilidade do crescimento.

* Antônio Marcos Capobianco é sociólogo