Em 6 meses no MEC, Weintraub já foi alvo de 60 interpelações judiciais

Abraham Weintraub tem tão pouca intimidade com a língua portuguesa que, nesta semana, um site listou 11 erros cometidos pelo ministro da Educação ao elaborar um guia de ajuda a estudantes que farão a prova do Enem. Mas a principal preocupação de Weintraub, nos seis meses em que está à frente do Ministério da Educação (MEC), tem mais a ver com o conteúdo do que com a forma. Seu estilo agressivo já lhe rendeu cerca de 60 interpelações judiciais – média de uma a cada três dias no cargo.

Weintraub

Nenhum outro ministro do governo alcançou tal feito. O estilo de Weintraub já o deixou na mira da Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência da República como instância consultiva, onde responde a um processo e corre o risco de enfrentar outros dois. O ministro é alvo de um procedimento em razão de uma de suas muitas publicações no Twitter. Após a apreensão de 39 quilos de cocaína na Espanha em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que integrava a comitiva de Bolsonaro, Weintraub escreveu que petistas eram “amigos de traficantes como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)” e que “no passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?”.

Confrontado, o ministro não recuou e dobrou os ataques em sua defesa prévia, por escrito, à comissão: “Foi uma forma bastante amena e bem-humorada de catalogar os ex-mandatários (…). Vale ressaltar ainda que caberia a um deles pelo menos uma série de qualificações ainda mais contundentes, tais como bandido, criminoso, presidiário e marginal, dentre outros, e à outra, críticas ainda mais mordazes do que ser chamada meramente de ‘uma droga’”, afirmou, no documento.

O processo foi instaurado por unanimidade. Conselheiros chegaram a comentar, de forma reservada, que, se o ministro quer ser comediante, está no lugar errado. As outras duas reclamações contra ele, com chances elevadas de se tornarem processos, também envolvem ofensas pessoais. Numa postagem sobre o grupo de petistas que ganhou na Mega Sena em 19 de setembro, disparou outro petardo: “Dois eventos praticamente impossíveis na mesma notícia: ganhar sozinho na Mega Sena e petista ficar milionário sem roubar… estou com medo de ver um Saci Pererê hoje”.

Em outras, chamou o presidente da França, Emmanuel Macron, de “calhorda oportunista” e “cretino”. A Comissão de Ética pode desde aplicar uma advertência até recomendar a exoneração do servidor ao presidente da República por conduta grave contra padrões éticos. O mandatário, contudo, não é obrigado a acatar a sugestão.

É nula a possibilidade de Bolsonaro aplicar medidas ao subordinado em decorrência das ofensas que espalha. Desfrutando cada vez mais do apoio dos filhos do presidente – considerado o núcleo de maior confiança do ex-capitão –, ele não enfrenta o fogo amigo da militância virtual bolsonarista, que atinge militares, políticos e técnicos do governo.

Weintraub não é um neoconvertido ao bolsonarismo. Ele e o irmão, Arthur, hoje assessor especial da Presidência, saíram do anonimato na política quando caíram nas graças do então deputado Onyx Lorenzoni, em 2017, em audiência sobre a Previdência na Câmara dos Deputados. Foi Lorenzoni que os apresentou, logo depois, a Bolsonaro. Desde essa época até ser escolhido como ministro da Educação, responsável pelo segundo maior orçamento da Esplanada, Weintraub demonstrou alinhamento às ideias de extrema-direira, trabalhando de forma voluntária para o atual presidente quando as chances de Bolsonaro ser eleito pareciam remotas.

O economista entrou no governo com a nova gestão, como secretário-executivo da Casa Civil, chefiada por Lorenzoni. Ainda costumava se apresentar como Abraão, por ser mais fácil de pronunciar e de entender que Abraham. Seu nome foi cogitado seriamente para o MEC pela primeira vez em um voo de mais de 17 horas entre Tel Aviv e Brasília, na primeira quarta-feira de abril. No domingo, apenas quatro dias depois, foi feito o convite oficial. Na época, a gestão de Ricardo Vélez Rodríguez, professor colombiano indicado pelo ideólogo de direita Olavo de Carvalho, já havia se revelado um desastre.

Entre as principais iniciativas de Weintraub está o Future-se, um programa liberal que abre as universidades e institutos federais não só a recursos particulares – mas também a ingerências. Professores, estudantes, sindicatos e especialistas acusam o governo de querer “privatizar” as universidades de forma disfarçada.

O ministro também quer aterrorizar universidades privadas que aderiram ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Agora, ameaçadas pelo calote e em busca de ajuda do governo, ouviram a seguinte declaração: “O que o governo vai fazer por vocês? Nada. Vocês têm de se virar”. No plano do ensino fundamental, a aposta do MEC bolsonarista é nas anacrônicas escolas cívico-militares, em que a gestão é compartilhada entre órgãos militares e o Executivo – e cuja efetividade é duvidosa.

Weintraub teve longa carreira no mercado financeiro e uma nem tão duradoura nem tão destacada passagem pela academia. Atuou por quase 20 anos no setor bancário, a maior parte no banco Votorantim, onde começou como office boy e chegou a economista-chefe e diretor da corretora. Foi demitido do grupo depois de uma mudança na direção do banco, com a venda de 50% da instituição para o Banco do Brasil. Recomendado pelo antigo chefe, foi para a Quest Investimentos.

Entre 2007 e 2010, Weintraub assinou uma série de artigos no jornal Valor Econômico , do Grupo Globo. O tom era bem-humorado e mais ameno, distante da retórica bélica atual. No discurso de encerramento da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), no último domingo, ele acusou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de abrir o caminho para Lula, assim como a aids abre caminho para a morte por tuberculose. Quando falava a língua do mercado, há alguns anos, as palavras saíram diferentes. “A inflação acabou há 13 anos, existe equilíbrio fiscal, o BC (Banco Central) tem liberdade operacional para atuar conforme critérios técnicos internacionais e o câmbio é flutuante”, comemorou, em 2007, ao projetar um cenário positivo para o País.

Em 2010, último ano do governo Lula, Weintraub previa a intensificação do embate ideológico e um cenário de retrocesso democrático mundial, com um “enfraquecimento institucional e diminuição de liberdades individuais”. Mas, na cabeça do então diretor do Votorantim, o Brasil do futuro não seria “fagulha do renascimento libertário econômico ou político, tampouco um vetor obscurantista”. Escreveu: “Nessa idade de incertezas, o Brasil, moreno faceiro, é um país inteligente o bastante para não ser radical. Historicamente, nossos movimentos são suaves”. É óbvia a contradição entre o que pensava antes e o País de hoje.

Com alguma frequência, Weintraub publica vídeos nas redes sociais fazendo duetos com o irmão ao violão. Nem nos momentos de lazer, porém, deixa de pensar no ex-presidente Lula. Chegou a postar um vídeo improvisando uma paródia em que comemorava o fato de o petista estar “enjaulado”. No entorno do ministro, há quem aposte em uma carreira política, com disputa em eleições. Quando é questionado sobre a hipótese, Weintraub costuma responder: “Eu não fujo de minha trilha”. Seja lá o que isso queira dizer…