Alzeben: Se EUA e Israel esperam rendição, melhor que esperem sentados

O Embaixador palestino, Ibrahim Alzeben, 66 anos, nasceu na Jordânia, filho de refugiados palestinos. Formado em Comunicação Social, Alzeben acumula praticamente 45 anos de atividade diplomática contínua na América Latina, já tendo servido em Cuba, Nicarágua, Peru, Bolívia, Colômbia e Paraguai. Por Wevergton Brito Lima

Palestina

Ibrahim Alzeben recebeu o Portal Vermelho/i21 na Embaixada da Autoridade Nacional Palestina, quando concedeu uma entrevista onde fala sobre vários temas ligados ao seu país. Considerado um embaixador ponderado e habilidoso, Alzeben trata com todo cuidado diplomático um tema para lá de sensível: as relações com o Brasil de Bolsonaro, um governo que rompeu com uma longa tradição brasileira de apoio às resoluções internacionais em defesa dos direitos do povo palestino e optou por um incondicional alinhamento com EUA e Israel.

O embaixador palestino também aponta, na entrevista, que “a paz é a única solução” para o conflito com Israel, revela que serão realizadas eleições na Palestina, o que, segundo entende, irá “ajudar a reconciliação e a reunificação entre as três partes fundamentais do Estado da Palestina: Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Oriental” e encerra com uma mensagem que expressa de forma contundente a fibra de um povo que, convivendo com a ocupação de suas terras, sem Forças Armadas e enfrentando um inimigo com recursos milionários, insiste em lutar: “Se eles, Estados Unidos e Israel, pretendem ou esperam que o povo palestino levante as bandeiras brancas da capitulação ou da rendição, melhor que esperem sentados, nós não vamos claudicar”. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista.

Os 40 anos de relação Brasil-Palestina foram recentemente comemorados. No entanto, temos um governo, do presidente Jair Bolsonaro, que diz abertamente ter como aliados preferenciais EUA e Israel. Como o senhor analisa, neste contexto, as relações Brasil-Palestina?

I.A. – Não nos cabe discutir as relações do Brasil com qualquer país do mundo. O Brasil é um país soberano com um governo eleito. Neste caso, não podemos interferir. É claro que temos 40 anos de relacionamento excelente com o Brasil e nós esperamos que se mantenha este nível de relacionamento, desenvolvendo, melhorando e superando a situação atual, inclusive estabelecendo novos acordos. Nos une, com o Brasil, 7 acordos bilaterais, em diferentes esferas e gostaríamos muito de desenvolver este tipo de relacionamento. Confiamos no bom senso das forças vivas do Brasil, inclusive do governo atual do Brasil, do presidente Bolsonaro, de que suas relações com Estados Unidos, com Israel, com qualquer outro país não afetem as relações com a Palestina e com o mundo árabe pois temos muito o que trocar, intercambiar.

O senhor pode nos falar sobre sua visão em relação ao impasse político em Israel, que não consegue formar um novo governo?

I.A. – Israel não pode ser governado se não lida positivamente com a questão palestina. Isso não é novo. Israel lida negativamente com a questão palestina, com os direitos palestinos, com os acordos assinados e vemos qual é o resultado. O resultado é o impasse, uma sociedade dividida, fragmentada e ninguém vai conseguir governar e manter boas relações com seu ambiente, com seu meio. Israel vive em um meio árabe, um meio palestino, em pleno Oriente Médio, então tem que saber lidar para poder sobreviver como Estado, para poder sobreviver como sociedade, como governo. Até agora não conseguem formar um governo. Por que? Porque estão dando as costas para as relações com a Palestina, para os direitos palestinos e isto seguirá, até que venha um sábio desta sociedade israelense e ponha um ponto final a este conflito, a esta tragédia, reconhecendo o direito legítimo do povo palestino, e inicie um novo processo de entendimento para poder manter uma boa vizinhança entre Israel e Palestina. Este é o caminho, não tem outro. Simplesmente eles estão prolongando esta agonia, tanto para eles quanto para nós. Obviamente o preço que nós pagamos é superior.

Quais são hoje os principais problemas enfrentados pelo povo palestino e pelo estado Palestino?

I.A. – Ocupação militar israelense. Causa e efeito. A ocupação militar é a causa, o resto são efeitos. Violação dos Direitos Humanos, as divisões palestinas existentes, o estrangulamento da economia, tudo é resultado, efeito, da ocupação militar israelense. Acaba a ocupação militar israelense, começa um verdadeiro processo de paz, de entendimento e diálogo com Israel, todos estes efeitos vão acabando, inclusive todos aqueles conflitos armados, violentos, na região do Oriente Médio.

Os acordos de Oslo completaram 26 anos no último dia 13 de setembro. Qual seu balanço dos acordos de Oslo?

I.A. – Um balanço negativo. Porque nós cumprimos com todos os nossos compromissos e Israel se liberou de todos os seus compromissos até o momento. Digo negativo sem perder a esperança, no sentido de que a paz é a saída, seja através dos acordos de Oslo, ou do nome que você quiser, nós entendemos que a paz é a única solução e tem que ser patrocinada pelas Nações Unidas e pela comunidade internacional e não somente por um país, como pretende, por exemplo, os Estados Unidos. A paz tem que acontecer. Pode ser que alguém ache que Oslo é um processo morto, mas não quer dizer que a paz, ou a esperança de paz, está morta. Os acordos de Oslo são acordos que nós cumprimos, Israel não cumpre, ninguém está obrigando ou consegue obrigar Israel a cumprir; não porque a comunidade internacional não queira, mas porque simplesmente Israel conta com o apoio incondicional dos EUA. Estados Unidos está protegendo Israel e portando Israel segue violando os direitos humanos, segue mantendo esta política de colonização. A comunidade internacional está consciente de que a única saída é a paz. Seja pelos acordos de Oslo ou por quaisquer outros acordos. Os acordos de Oslo sim, servem como base para reativar o processo de paz.

Quais os pilares atuais da estratégia de luta pela libertação nacional da Palestina?

I.A. – Primeiro, estamos trabalhando na arena internacional como país observador das Nações Unidas desde 2012, assinando mais de 74 tratados e convenções internacionais, e seguimos trabalhando para obter mais reconhecimento, inclusive estamos chamando a todos aqueles países que apoiam a solução de “Dois Estados” para que reconheçam o outro Estado, publicamente. E reconhecer o outro Estado, neste caso o Estado da Palestina, é reconhecer que existe um conflito territorial, não religioso, e que também deve-se reconhecer Jerusalém Oriental como capital da Palestina. A nível interno nós temos dificuldades, o próprio processo de ocupação do território, este cerco contra Gaza, estes castigos coletivos contra Gaza estão impedindo uma reconciliação entre duas forças importantes na arena política palestina, isto impede a reunificação de duas asas palestinas: Faixa de Gaza e Cisjordânia, incluindo Jerusalém. Estas são dificuldades que enfrentamos e estamos trabalhando para tratar de desligar nossa economia da economia de Israel, independentemente de que estamos totalmente cercados, a Palestina já tem todas as instituições criadas. Temos que chamar eleições legislativas e presidenciais, esta foi uma decisão recente do presidente (Mahmoud Abbas) e que o povo palestino decida por quem quer ser governado e qual será a plataforma política daqui para frente. Estamos fazendo o que nos toca fazer a nível internacional e a nível interno. A trava e a causa de todos os nossos problemas é em primeiro lugar a ocupação israelense.

Então, vamos ter eleições? Estas eleições podem significar um avanço na unidade palestina?

I.A. – Já está formada uma comissão e em poucos dias esta comissão irá se dirigir à Faixa de Gaza. A comissão está trabalhando em quatro níveis: Em nível interno, das forças palestinas; em nível de Israel, para permitir que os cidadãos de Jerusalém Oriental e dos territórios ocupados participem (eles têm que participar!); em nível dos países vizinhos, onde temos refugiados, neste caso falamos de Jordânia, Líbano, Síria e Egito; e em nível internacional para obter apoio para um processo necessário. A realização das eleições é uma meta fundamental para o cenário palestino e obviamente o resultado vai incidir e ajudar a reconciliação e a reunificação entre as três partes fundamentais do Estado da Palestina: Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Oriental. Não aceitamos de jeito nenhum, e não pode existir, um Estado Palestino sem Jerusalém como capital e não pode existir também um Estado em Gaza ou um Estado Palestino sem a Faixa de Gaza.

Já temos um calendário eleitoral definido?

I.A. – Isso depende da negociação interna em curso. Primeiro faremos as eleições legislativas pois não podemos ter um vazio de poder e depois as eleições presidenciais.

O senhor citou, em uma das respostas anteriores, o papel dos EUA, que se julgam donos da questão palestina. O Estado da Palestina está buscando alternativas e os EUA respondem cortando verbas para a agência da ONU que apoia os refugiados palestinos, entre outas ações. Como o senhor vê esta questão?

I.A. – Em primeiro lugar, os EUA não se consideram donos da questão palestina, se consideram donos do mundo. Em árabe temos uma frase que diz que você não pode ser adversário e juiz ao mesmo tempo. Os EUA não pode desempenhar este papel de juiz porque demostrou ser um parceiro desonesto, pois no momento em que apoia a ocupação israelense, no momento em que apoia a política de assentamentos, anexar Jerusalém, muda a embaixada, corta a contribuição à agência da ONU, expulsa a missão diplomática palestina de Washington, congela verbas que era compromisso dos EUA com a Autoridade Nacional Palestina… Eles tomaram várias medidas e inclusive estão chantageando outros países vulneráveis para que mudem suas embaixadas para Jerusalém e pressionando outros países a deixar de apoiar a Autoridade Nacional Palestina, então os EUA não pode ser mediador, não pode ser patrocinador de nenhum processo. Tem que ser um processo patrocinado pelas Nações Unidas, pelas outras superpotências, por outros atores que demonstraram sua honestidade, sua imparcialidade, obviamente estamos em contato com outros países, europeus, asiáticos, países irmãos e vizinhos, para precisamente apoiar o processo de paz baseado no direito internacional, na legalidade internacional. Estamos trabalhando por uma Conferência Internacional sobre o tema, seja na França, seja na Rússia, seja em qualquer outro país deste mundo. Não vamos excluir os EUA, claro, mas eles serão parte, não serão o todo.

Qual sua opinião sobre o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanção)?

I.A. – É um movimento muito importante. Este tipo de processo foi marcante para acabar com o apartheid na África do Sul e esperamos que realmente isto seja dirigido contra a ocupação e tenha como foco tudo que é produto dos territórios ocupados, por aqueles colonos que usam e abusam do território palestino (1).

Que mensagem o senhor gostaria de dirigir aos leitores do Portal Vermelho/i21?

I.A. – O povo palestino está decidido a seguir sua luta e estamos decididos a respeitar o direito internacional, respeitar os direitos humanos. Não vamos abrir mão dos nossos direitos, confiamos no curso da história, confiamos também no bom senso da comunidade internacional e dos setores que querem a paz na sociedade israelense. A questão da palestina não é uma questão religiosa e também não é uma questão econômica, para achar que vai resolver a situação com bilhões de dólares para incentivar a economia (2). Sim, queremos incentivar nossa economia. Sim, queremos a prosperidade. Sim, queremos melhorar a vida do nosso povo. Mas sim, em primeiro lugar nossa dignidade, nossa soberania, nosso Estado livre, independente, com Jerusalém como capital. Não existe outra solução. Se eles, Estados Unidos e Israel pretendem ou esperam que o povo palestino levante as bandeiras brancas da capitulação ou da rendição, melhor que esperem sentados, nós não vamos claudicar.

1 – O movimento BDS, entre outras coisas, promove o boicote à importação de produtos oriundos de assentamento de colonos israelenses em terras palestinas (NE).

2 – O embaixador faz referência indireta ao chamado, por Trump, de “acordo do século”, que em troca de investimento financeiro tenta legalizar a ocupação de Israel em boa parte do que as Nações Unidas consideram Palestina (NE).


Veja o vídeo da TV Vermelho, com os principais momentos da entrevista: