A exposição Brasil em Transe, aberta na noite de 4 de outubro, na Galerie Art et Societé de Paris, reúne o trabalho de 12 artistas plásticos brasileiros ligados ao Ateliê Contraponto de São Paulo – a começar pela proprietária e professora do ateliê, Mazé Leite. Em cartaz até o dia 20, a mostra é acompanhada do Manifesto Brasil em Transe, que justifica as motivações estéticas dos expositores e também analisa o País sob o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.
Publicado 12/10/2019 22:24 | Editado 13/12/2019 03:29
São 22 pinturas a óleo em exposição, realizadas em um ano e meio de trabalho por 11 alunos do Ateliê Contraponto, mais 11 pinturas de Mazé Leite. “Como artistas, expressamos nossos sentimentos frente a tudo o que está acontecendo. Como lidamos com imagens, pintamos!”, aponta o manifesto, assinado por Mazé. “Mas como seres humanos, e brasileiros, gritamos contra o retrocesso que estamos sofrendo, contra os conservadorismos de todos os tipos, contra todas as injustiças, incluindo a injusta prisão do presidente Lula. Lula livre!”
O vernissage reuniu cerca de 150 pessoas no coração do bairro parisiense do Marais. Desse público, 25 brasileiros viajaram à capital francesa especialmente para o evento. Amigos de outros países compareceram, vindos de cidades como Dublin (Irlanda), Londres (Inglaterra) e Amsterdam (Holanda).
Também marcaram presença muitos brasileiros que vivem na França, em sua maioria ligados a movimentos de brasileiros que se unem atualmente para se contrapor ao governo bolsonarista – em especial pessoas ligadas aos comitês franceses pela liberdade de Lula. Muitos franceses também foram ao vernissage, trazidos pela divulgação solidária das redes de amigos e camaradas do PCF (Partido Comunista Francês).
A mostra
Os artistas se voltaram a retratar pictoricamente momentos e personalidades da cultura brasileira – mas também temáticas mais políticas, como o drama dos rompimentos de barragens que atingem o meio ambiente e as populações das áreas atingidas, o genocídio da juventude negra, os preconceitos sofridos pela população LGBTI, a liberação de agrotóxicos mortais em nossa agricultura, a morte de Marielle Franco, a prisão de Lula, etc.
Cada artista se expressou, dentro da temática, da forma como mais se sente atingido no momento. O conjunto dos quadros revela aos franceses a força da arte brasileira e de seus artistas, vivendo um momento crítico da sua história. As pinturas foram muito bem recebidas e diversas pessoas se disseram surpresas com a qualidade do trabalho do Ateliê Contraponto.
Entre taças de vinho, brasileiros e franceses se misturaram, e as conversas versavam não só sobre o trabalho artístico, mas principalmente sobre a triste situação política em que o Brasil se encontra após a eleição de Bolsonaro. Todos buscavam entender o processo, muitos manifestando o espanto diante de quão rapidamente a extrema-direita avançou no Brasil, chegando ao poder central.
Em um determinado momento do evento, franceses e brasileiros se postaram na rua em frente à galeria, puxados pelo Comitê Lula Livre de Paris, gritando palavras de ordem pela liberdade de Lula. Foi uma reação natural, surgida dessa união entre amigos e camaradas brasileiros e franceses, todos solidários ao Brasil. Outras atividades estão sendo pensadas pela rede de brasileiros em Paris, aproveitando a exposição, para promover atos em apoio ao povo brasileiro, contra Bolsonaro.
Por isso, a realidade sempre será nossa maior e inesgotável referência. Seja a realidade física, seja a realidade de nossa existência como seres que ocupamos um determinado espaço e tempo. Na minha visão, a arte jamais esteve isolada do restante da vida, em qualquer período histórico. Quando o homem pré-histórico pinta um bisão na parede de uma caverna, está expressando um símbolo do seu mundo, mas também seu modo de vida. Quando Michelangelo pintou a Capela Sistina, ilustrou uma ideia, uma cosmologia baseada em uma visão de mundo. Eugène Delacroix, com sua “Liberdade guiando o povo”, pintou um verdadeiro manifesto, indicando um novo tempo que precisava nascer. Sim, a arte tem um papel importante no mundo: elevar o espírito humano, o que muitas vezes quer dizer, provocar deslocamentos, fazer refletir.
Por isso, as obras desta exposição são a expressão individual de cada um de nós sobre o Brasil dos dias atuais. De um lado, um país rico culturalmente, imensamente criativo, musical, expressivo, miscigenado, multicolorido. De outro, um país em transe caótico: político, econômico, ambiental, social, cultural… Os dias atuais no Brasil são de medo: da volta dos dias terríveis da censura, dos ataques à democracia, à rica cultura brasileira, ao seu povo, ao seu meio-ambiente, ao seu futuro.
Após a eleição de Bolsonaro, houve uma reação unânime entre nós, artistas do Ateliê Contraponto: esta quadrilha que chegou ao poder central no Brasil é nefasta. Neste ano e meio de trabalho, enquanto pintávamos nossas telas para esta exposição, Marielle Franco foi assassinada, Lula foi preso, Bolsonaro foi eleito, o conservadorismo se aprofundou, o desrespeito aos direitos humanos também. Duas barragens de lama despejaram detritos sobre Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. A polícia militar mata mais jovens negros do que nunca, nas periferias do Brasil. E há poucas semanas, vimos o horror da floresta amazônica pegando fogo. Isso tudo nos afeta como sociedade e, obviamente, nos afeta como artistas.
Como artistas, expressamos nossos sentimentos frente a tudo o que está acontecendo. Como lidamos com imagens, pintamos! Mas como seres humanos, e brasileiros, gritamos contra o retrocesso que estamos sofrendo, contra os conservadorismos de todos os tipos, contra todas as injustiças, incluindo a injusta prisão do presidente Lula. Lula livre!