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Em Paris, exposição-manifesto de artistas brasileiros pede Lula livre 

A exposição Brasil em Transe, aberta na noite de 4 de outubro, na Galerie Art et Societé de Paris, reúne o trabalho de 12 artistas plásticos brasileiros ligados ao Ateliê Contraponto de São Paulo – a começar pela proprietária e professora do ateliê, Mazé Leite. Em cartaz até o dia 20, a mostra é acompanhada do Manifesto Brasil em Transe, que justifica as motivações estéticas dos expositores e também analisa o País sob o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.

O Grito - Mazé Leite

São 22 pinturas a óleo em exposição, realizadas em um ano e meio de trabalho por 11 alunos do Ateliê Contraponto, mais 11 pinturas de Mazé Leite. “Como artistas, expressamos nossos sentimentos frente a tudo o que está acontecendo. Como lidamos com imagens, pintamos!”, aponta o manifesto, assinado por Mazé. “Mas como seres humanos, e brasileiros, gritamos contra o retrocesso que estamos sofrendo, contra os conservadorismos de todos os tipos, contra todas as injustiças, incluindo a injusta prisão do presidente Lula. Lula livre!”

O vernissage reuniu cerca de 150 pessoas no coração do bairro parisiense do Marais. Desse público, 25 brasileiros viajaram à capital francesa especialmente para o evento. Amigos de outros países compareceram, vindos de cidades como Dublin (Irlanda), Londres (Inglaterra) e Amsterdam (Holanda).

Também marcaram presença muitos brasileiros que vivem na França, em sua maioria ligados a movimentos de brasileiros que se unem atualmente para se contrapor ao governo bolsonarista – em especial pessoas ligadas aos comitês franceses pela liberdade de Lula. Muitos franceses também foram ao vernissage, trazidos pela divulgação solidária das redes de amigos e camaradas do PCF (Partido Comunista Francês).

A mostra

Os artistas se voltaram a retratar pictoricamente momentos e personalidades da cultura brasileira – mas também temáticas mais políticas, como o drama dos rompimentos de barragens que atingem o meio ambiente e as populações das áreas atingidas, o genocídio da juventude negra, os preconceitos sofridos pela população LGBTI, a liberação de agrotóxicos mortais em nossa agricultura, a morte de Marielle Franco, a prisão de Lula, etc.

Cada artista se expressou, dentro da temática, da forma como mais se sente atingido no momento. O conjunto dos quadros revela aos franceses a força da arte brasileira e de seus artistas, vivendo um momento crítico da sua história. As pinturas foram muito bem recebidas e diversas pessoas se disseram surpresas com a qualidade do trabalho do Ateliê Contraponto.

Entre taças de vinho, brasileiros e franceses se misturaram, e as conversas versavam não só sobre o trabalho artístico, mas principalmente sobre a triste situação política em que o Brasil se encontra após a eleição de Bolsonaro. Todos buscavam entender o processo, muitos manifestando o espanto diante de quão rapidamente a extrema-direita avançou no Brasil, chegando ao poder central.

Em um determinado momento do evento, franceses e brasileiros se postaram na rua em frente à galeria, puxados pelo Comitê Lula Livre de Paris, gritando palavras de ordem pela liberdade de Lula. Foi uma reação natural, surgida dessa união entre amigos e camaradas brasileiros e franceses, todos solidários ao Brasil. Outras atividades estão sendo pensadas pela rede de brasileiros em Paris, aproveitando a exposição, para promover atos em apoio ao povo brasileiro, contra Bolsonaro.

Leia abaixo a íntegra do Manifesto:
Manifesto “Brasil em Transe”
Somos artistas cujo pensamento pictórico busca se orientar pelo movimento da luz sobre as coisas do mundo. Nosso trabalho é reflexo do estudo técnico e da observação dos efeitos da luz sobre a realidade. Seguindo os conceitos pictóricos ensinados há muito tempo por Rembrandt, as cores que usamos e as formas que pintamos buscam se submeter às direções da luz. Mas somos artistas brasileiros vivendo em um país cuja luminosidade colorida interfere diretamente sobre nossas pinturas. Seguindo este caminho, nos inspiramos na eterna dança do claro e do escuro. Podemos comparar esse tipo de percepção ao de músicos como Hermeto Pascoal e Sivuca, retratados por mim nesta exposição, que conseguiam extrair sons musicais de qualquer coisa. Para nós, qualquer coisa é potencialmente bela, se percebemos através das aparências o deslizar dos movimentos explícitos, ou sutis, da luz.

Por isso, a realidade sempre será nossa maior e inesgotável referência. Seja a realidade física, seja a realidade de nossa existência como seres que ocupamos um determinado espaço e tempo. Na minha visão, a arte jamais esteve isolada do restante da vida, em qualquer período histórico. Quando o homem pré-histórico pinta um bisão na parede de uma caverna, está expressando um símbolo do seu mundo, mas também seu modo de vida. Quando Michelangelo pintou a Capela Sistina, ilustrou uma ideia, uma cosmologia baseada em uma visão de mundo. Eugène Delacroix, com sua “Liberdade guiando o povo”, pintou um verdadeiro manifesto, indicando um novo tempo que precisava nascer. Sim, a arte tem um papel importante no mundo: elevar o espírito humano, o que muitas vezes quer dizer, provocar deslocamentos, fazer refletir.

Por isso, as obras desta exposição são a expressão individual de cada um de nós sobre o Brasil dos dias atuais. De um lado, um país rico culturalmente, imensamente criativo, musical, expressivo, miscigenado, multicolorido. De outro, um país em transe caótico: político, econômico, ambiental, social, cultural… Os dias atuais no Brasil são de medo: da volta dos dias terríveis da censura, dos ataques à democracia, à rica cultura brasileira, ao seu povo, ao seu meio-ambiente, ao seu futuro.

Após a eleição de Bolsonaro, houve uma reação unânime entre nós, artistas do Ateliê Contraponto: esta quadrilha que chegou ao poder central no Brasil é nefasta. Neste ano e meio de trabalho, enquanto pintávamos nossas telas para esta exposição, Marielle Franco foi assassinada, Lula foi preso, Bolsonaro foi eleito, o conservadorismo se aprofundou, o desrespeito aos direitos humanos também. Duas barragens de lama despejaram detritos sobre Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. A polícia militar mata mais jovens negros do que nunca, nas periferias do Brasil. E há poucas semanas, vimos o horror da floresta amazônica pegando fogo. Isso tudo nos afeta como sociedade e, obviamente, nos afeta como artistas.

Como artistas, expressamos nossos sentimentos frente a tudo o que está acontecendo. Como lidamos com imagens, pintamos! Mas como seres humanos, e brasileiros, gritamos contra o retrocesso que estamos sofrendo, contra os conservadorismos de todos os tipos, contra todas as injustiças, incluindo a injusta prisão do presidente Lula. Lula livre!

Mazé Leite
Ateliê Contraponto de Arte Figurativa