O que as eleições na Argentina e Uruguai tem a ver com o Brasil?

“As vitórias de Fernandéz, na Argentina, e Martínez, no Uruguai, podem representar o início de um processo na região, marcado pela retomada dos governos progressistas”.

Por Bianca Borges*

Argentina Uruguai

Duas importantes eleições para o cenário político regional se aproximam. De um lado, a tentativa de reeleição pela quarta vez consecutiva do bloco progressista da Frente Amplio no Uruguai. De outro, a difícil recondução de Mauricio Macri diante de sua derrota nas prévias e protestos massivos contra a instabilidade econômica causada pela política econômica do seu governo. Em ambos os países a população vai às urnas no dia 27 de Outubro para o primeiro turno das eleições.

Não é a primeira vez que o processo eleitoral nas duas margens do Rio Prata apresenta semelhanças. Argentina e Uruguai têm vínculos que vão do plano cultural ao econômico. Isso fica claro ao analisar os processos políticos dos dois países nos últimos 50 anos: o totalitarismo das ditaduras durante as décadas de 1960 e 1970, a redemocratização em 1980 seguida da virada neoliberal na década de 1990 e a profunda crise econômica sucedida pela nova virada à esquerda no começo do século XXI.

As primárias argentinas surpreenderam ao indicar a provável derrota de Macri, que ficou a 17 pontos percentuais da candidatura de Alberto Fernández a presidente e Cristina Kirchner a vice, o suficiente para que a chapa seja eleita sem necessidade de realização de um segundo turno. O resultado conturbou o cenário político e os mercados, induzindo o governo a adotar um pacote de medidas de curto prazo para combater a inflação, que inclui o controle do câmbio.

Já no Uruguai as prévias não aprofundaram maiores incertezas. Dada a participação de apenas 40% do eleitorado, tem pouca relevância para determinar quem vencerá as eleições de 27 de outubro, em que o voto será obrigatório. As projeções apontam para um segundo turno entre a Frente Ampla, representada por Daniel Martínez, que enfrenta o desgaste de três governos seguidos refletido no plano eleitoral, e o Partido Nacional, dessa vez representado por Luis Lacalle Pou, conforme as últimas três eleições no país.

O que chama atenção é que, em ambos os casos, a tática de organização dos setores progressistas em torno de frentes políticas é exemplo de sucesso. No Uruguai foi o que possibilitou até agora os quinze anos de governos da Frente Ampla, coalizão de partidos de esquerda e centro que promoveu uma importante transformação social no país. Na Argentina, Kirchner cedeu o protagonismo na chapa presidencial para que fosse encabeçada por Fernández, possibilitando a união do peronismo que, de acordo com as primárias, não obteria maior sucesso. O êxito dessa tática, que se revela eleitoralmente poderosa, deve servir de inspiração aos setores progressistas e democráticos no Brasil para o enfrentamento da oposição nas próximas disputas.

Fato é que o resultado destes dois processos eleitorais terá grande impacto sobre o Brasil. Com governos progressistas à frente, o sul do continente americano impediu a implementação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e estabeleceu a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), promovendo um fortalecimento do eixo Sul-Sul e uma integração das economias locais que contrariou os interesses estadunidenses na região. Ao mesmo tempo, processos como o Banco do BRICS e o Acordo Contingente de Reservas do BRICS contribuíram para construir alternativas contra-hegemônicas ao Banco Mundial e ao FMI, instituições sob o controle dos EUA.

Vale lembrar que a Unasul foi recentemente extinta sob a justificativa de ser um bloco ideológico de esquerda para dar lugar ao Prosul (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul), iniciativa de governos como o de Bolsonaro, Macri e Piñera (Chile), que serve para legitimar a implementação de uma política econômica alinhada aos EUA e seu intervencionismo na região.

Assim, é fácil observar que o resultado eleitoral nos dois países exercerá grande influência nos demais países. Se é verdade que no período em que tínhamos governos progressistas à frente de grande parte da América do Sul – Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Michelle Bachelet (Chile), Rafael Correa (Equador), Nestor e Cristina Kirchner (Argentina), Chavez (Venezuela) e Tabaré Vázquez (Uruguai) – criamos também condições para o desenvolvimento soberano desses países, a ascensão de governos neoliberais nas próximas eleições arrisca aprofundar a política de dependência econômica já está em curso em parte do continente.

Nesse sentido, as eleições na Argentina e Uruguai são decisivas: as vitórias de Fernandéz e Martínez podem representar o início de um processo na região, marcado pela retomada dos governos progressistas. Se as eleições de Macri e Bolsonaro induziram a avaliações de que o ciclo progressista na América Latina tinha se encerrado, o resultado das urnas no Uruguai e Argentina pode apontar para uma nova onda de transformações.