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Merten: Brigitte Bardot, Marcello Mastroianni, aniversariantes do dia 

Nasceram no mesmo dia, 28 de setembro. Marcello Mastroianni, em 1924; Brigitte Bardot, em 1934. Marcello morreu em 19 de dezembro de 1996, aos 81 anos. Faria hoje 95. Brigitte completa neste sábado 85. Muito provavelmente comemorará o aniversário sozinha, em seu refúgio de La Madrague. Há muito substituiu os humanos pelos animais, em seu afeto.

Por Luiz Carlos Merten

Marcello Mastroianni e Brigitte Bardot

Marcello teve uma das mais extraordinárias carreiras do cinema – grandes filmes, de grandes diretores. Brigitte transitou entre eras do cinema francês – filmou com diretores da ancienne vague e autores da nouvelle. Fez o que talvez seja o maior filme de Jean-Luc Godard, o que não é pouca coisa – O Desprezo. O ano era 1963, o produtor, Carlo Ponti.

Contratualmente, havia uma exigência. BB, as iniciais eram conhecidas em todo o mundo, tinha de aparecer nua. Godard nem vacilou. De cara, Brigitte aparece nuinha naquele terraço, tomando banho de sol, ou qualquer coisa parecida.

Baseado no romance de Alberto Moravia, o filme é sobre uma filmagem. Fritz Lang quer fazer uma versão de Homero, da Odisseia, interpretada por estátuas. Brigitte, convertida em mito sexual, seria uma espécie de Penélope, mas, claro, não era mulher de ficar esperando seu homem. Não vai nenhuma crítica nisso. Michel Piccoli, como o roteirista, o homem moderno, está mais longe ainda de ser Ulisses.

BB, MM (Marcello Mastroianni), GG, Grande Godard. Brigitte já tinha 13 filmes no currículo quando, em 1956, seu então marido, Roger Vadim, fez dela motivo de escândalo em todo o mundo. Cette sacré gamine. Tirou a roupa de Brigitte, fez com que ela dançasse e transformou-a numa inocente devoradora de homens em E Deus Criou a Mulher. Nasceu ali um mito – a mulher-criança. Emendando filmes, sempre provocante, sempre inocente, Brigitte virou o maior produto de exportação da França.

Na Itália, MM já vinha filmando desde 1948. Trabalhara com diretores importantes – Visconti, no cinema e no teatro, Carlo Lizzani, Luciano Emmer –, mas algo se passou em 1960, quando Federico Fellini fez dele o jornalista Marcello Rubini, seu alter-ego, em A Doce Vida. A decadência romana, a moderna Babilônia, Sodoma e Gomorra. Convertido em astro, Marcello passou a ser disputado – Mauro Bolognini, Pietro Germi, Fellini, de novo, Valerio Zurlini, e Fellini, mais uma vez.

Em 1961, e por sortilégio de um certo Louis Malle, que prenunciara a nouvelle vague com Ascensor para o Cadafalso e provocara escândalo com o sexo oral de Os Amantes – ambos interpretados por Jeanne Moreau –, cruzaram-se os caminhos de BB e MM. Vida Privada – uma estrela de cinema, Brigitte, reencontra seu antigo amor, Marcello, mas o assédio do público e da imprensa, os tais paparazzi, impede qualquer privacidade e o romance destina-se ao fracasso. Numa cena famosa, Jill, a personagem, é agredida pela porteira do prédio.

Brigitte filmou outras vezes com Malle – Viva Maria!, uma aventura na Revolução Mexicana, também com Jeanne Moreau; o episódio William Wilson, de Histórias Extraordinárias, d’ après Poe. No começo dos anos 1970, saturada do cinema, que nunca foi a coisa mais importante em sua vida, aposentou-se. Envelheceu sem mágoa – aparentemente –, sem ligar para rugas, sem retocar os estragos da natureza. Fez campanha pelos direitos dos animais, mas, como ninguém é perfeito, flertou com a direita, passou a atacar imigrantes e refugiados.

Marcello, convertido em macho latino – mas um macho sofisticado, não um brucutu –, nunca ligou para essa questão de imagem. Fez um marido impotente, que não consumava o casamento (O Belo Antônio, de Bolognini, com roteiro de Pier-Paolo Pasolini), um gay (Um Dia Muito Especial, de Ettore Scola, com Sophia Loren) e o decrépito Giacomo de Casanova e a Revolução, de novo de Scola.

Brigitte flertou com o Brasil e, de sua passagem por Búzios, ficou aquela estátua de bronze em que olha eternamente para o mar. Marcello virou personagem de Jorge Amado e foi o Nacib de Gabriela, que Bruno Barreto filmou tentando repetir o sucesso de Dona Flor e Seus Dois Maridos, também amadiano, também com Sônia Braga.

Da extensa filmografia de Marcello, retenho, por uma questão de gosto pessoal – O Belo Antônio, Divórcio à Italiana, Dois Destinos e Oito e Meio, todos do começo dos anos 1960. Há quase 60 anos! Era garoto, mas o cinema já começava a ser parte da minha vida. Prometo, em algum momento, ao longo desse sábado, fazer um brinde a BB e a MM.