Witzel, a culpa é sua

"O assassinato de uma criança de 8 anos com um tiro nas costas é mais um episódio marcante, fruto de uma política de guerra".

Por Maria Clara Delmonte*


Crianças Rio de janeiro

“Amor, olha o que fizeram com nosso povo
Esse é o sangue da nossa gente
Olha a revolta do nosso povo
Eu vou, juro que hoje eu vou ser diferente”
Corra – Djonga (part. Paige)

O sangue escorre nas favelas do Rio de Janeiro. Em nove meses, a PMERJ sob o comando de Wilson Witzel matou em média 5 pessoas por dia, número recorde nos últimos 21 anos. O número de mortes em operações policiais aumentou 46% quando comparado ao mesmo período no ano anterior, ano da intervenção militar – e o número de crianças baleadas cresceu em 80%. Mais de 1200 corpos foram tombados, em sua gritante maioria, corpos negros.*

Eleito por um discurso midiático de combate ao crime e à violência urbana, Witzel responde aos anseios de uma parcela da população que não aguenta mais viver numa realidade tão difícil, marcada pelo sentimento difuso do medo. Apoiado por Bolsonaro, aprofunda narrativas e práticas de violência contra o povo, remontando verdadeiras cenas de guerra. Na lógica de cidade em guerra, o estado racista encontra nos corpos e territórios negros seu inimigo, e legítima a barbárie ao permitir qualquer meio para “neutralizar” os ditos culpados. Witzel não titubeou em esbravejar que daria carta branca para snipers “atirarem na cabecinha” de cima de helicópteros nas favelas com o objetivo de “abater as ameaças”. E deu. O assassinato de Agatha Felix de 8 anos moradora do Complexo do Alemão e de mais cinco crianças é um dos resultados.

Em um estado em recessão econômica, com 1,4 milhão de desempregados (IBGE, 2019) e com nenhuma política para melhorar a qualidade de vida do povo, a prioridade do governador é matar e… prender! Aliado aos assassinatos, o poder branco de um estado em guerra tem na manga também a estratégia do encarceramento. Para isso, a criminalização das drogas é seu principal argumento: prende Rafael Braga, em primeiro momento acusado de terrorismo por carregar um vidro de Pinho Sol e, em segundo, por tráfico, ainda que não estivesse portando drogas no momento de sua prisão em “flagrante”. Prende Rennan da Penha, um dos maiores produtores de cultura do Brasil, que organizou milhares de jovens no maior baile de favela e conquistou espaço na mídia nacional e internacional com seus sucessos do funk 150 bpm, acusando-o de ser olheiro do tráfico.

Desde o golpe, três episódios no Rio de Janeiro demonstraram uma política de “segurança pública” sanguinária que escorre para resto do Brasil. O primeiro deles foi a intervenção Federal, ainda no governo Temer, com um general do exército assumindo o comando das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros. O segundo, o assassinato de Marielle Franco, vereadora eleita e militante incansável na defesa dos direitos humanos. O crime, apesar dos fortes indícios de ligação da milícia, segue até hoje sem respostas. O terceiro, a vitória eleitoral de um discurso anti-direitos humanos, protagonizado por Bolsonaro, Witzel e Rodrigo Amorim – deputado que quebrou a placa em homenagem a Marielle em frente a Câmara Municipal.

O assassinato de uma criança de 8 anos com um tiro nas costas é mais um episódio marcante, fruto dessa política de guerra. Agatha morreu depois de ser atingida durante um passeio com a mãe, enquanto estavam dentro de uma kombi. Segundo moradores que estavam presentes na hora do assassinato, não havia sinal de confronto policial e os tiros foram disparados pela PM em direção a dois motociclistas que passavam pelo local.

Como resposta, Witzel não se pronunciou por três dias. No quarto, lamentou a morte da menina, mas reafirmou o sucesso de sua política, apontando a necessidade de prosseguir para combater o tráfico organizado. O governador do Rio de Janeiro cada vez mais demonstra, em atitudes e políticas, o seu total desprezo pela vida – ao fazer dancinhas comemorativas pela execução do sequestrador da Ponte Rio-Niterói, e ao responder à repercussão do caso de Agatha com a retirada da gratificação de policiais que reduzem o índice de mortes em operações e confrontos. Utiliza ainda o caso para defender o pacote anti-crime de Sérgio Moro como política a nível federal.

O pacote anti-crime fere as normas internacionais de direitos humanos, como o Código das Nações Unidas, afrouxando a responsabilização de agentes da lei por crimes violentos praticados no cumprimento da função. Podemos apelida-lo então de “pacote anti-preto”, porque avança sobre a institucionalização de um genocídio em curso. Nessa semana, a indignação sobre o caso de Agatha chegou a Câmara Federal, com uma importante vitória para os que resistem. O item que previa a ampliação do excludente de ilicitude para policiais que causarem morte durante o serviço ou civis que cometerem “excessos sob o pretexto de escusável medo, surpresa ou violenta emoção” foi derrubado via emenda do Dep. Marcelo Freixo (PSOL).

Ora Witzel, por justiça aos nossos mortos, fazemos luta!

O acontecimento que causou enorme dor e sofrimento também gerou uma grande comoção em todo o Brasil. Um ato convocado pelos moradores do Alemão marcou a resistência das favelas, gritando por justiça. No asfalto, estudantes somaram forças na convocação de um ato para a Assembleia Legislativa do Estado. No parlamento, PSOL, PT, PCdoB e PDT entraram com uma denúncia no Supremo Tribunal de Justiça contra Witzel, denunciando sua política de extermínio. Brasil afora, diversos atos foram convocados em solidariedade à família de Agatha e clamando por um basta. Todos esses, fazendo do luto, luta.

Witzel, Moro, Bolsonaro, nós culpamos vocês. Culpamos vocês pelo assassinato de 6 crianças em 9 meses. Culpamos pela política de morte que vocês operam e legitimam. Culpamos vocês pelo extermínio da juventude negra e periférica, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o país. Não toleramos mais, gritaremos para o mundo: PAREM DE NOS MATAR.

*Dados do Observatório de Segurança Pública RJ

*Maria Clara Delmonte é diretora de Direitos Humanos da UNE e estudante da UFRJ.