Em artigo para o Prosa Poesia e Arte (a seção cultural do Portal Vermelho), o jornalista e cineasta Marcos Enrique Lopes nos apresenta uma figura-chave para a história do cinema nacional: a italiana radicada no Brasil Adriana Falangola Benjamin, ou Dona Didi (1918-2018), uma “heroína” do período de filmes mudos. Confira.
Por Marcos Enrique Lopes*
Publicado 26/09/2019 18:26 | Editado 13/12/2019 03:29
O cinema mudo brasileiro teve sua heroína. Era italiana, adotou o Recife e viveu até os 99 anos, tendo participado de dois longas-metragens (um inacabado) e seis curtas-metragens desde que foi iniciada pelo pai, um dos pioneiros do cinema brasileiro, com apenas 6 anos de idade.
Adriana Falangola Benjamin, ou simplesmente Dona Didi, faleceu no dia 5 de fevereiro do ano passado, mas o seu legado ficou registrado nas aberturas e encerramentos da Pernambuco-Films, primeira produtora do estado, fundada em 1920 pelo pai Ugo Falangola e o sócio J. Cambieri, italianos imigrantes, que chegaram ao B rasil dois anos antes.
Nascida em Roma em 14 de outubro de 1918, ela veio muito pequena para o Brasil, com 11 meses. Como começou a atuar muito cedo e teve uma vida longeva, ganhou o status de ter sido a última representante do período de cinema mudo no Brasil, cujo destaque foram os Ciclos Regionais de Cinema, mais significativos no Recife, Porto Alegre, interior mineiro (Barbacena e Cataguases) e Campinas.
Para além dessas localidades, em Manaus, João Pessoa, Rio de Janeiro e São Paulo havia realizações cinematográficas, porém sem as características de grupos nem movimentos de cineastas, atuando.
Em Pernambuco, foram feitos 13 longas-metragens de ficção entre 1923 e 1931 – e o primeiro documentário nasceu clássico, por sua ousadia narrativa. Trata-se de Veneza Americana, de 1925, dirigido a quatro mãos pelos sócios italianos anteriormente citados.
Depois desses, vieram outros pequenos “naturais”, como eram chamados os filmes de encomenda, financiados por industriais da época, políticos, fazendeiros, empresários e comerciantes locais. Em todos eles, Dona Didi estava presente. Normalmente, como uma bailarina ou apresentadora improvisada em cenários sofisticados criados pela dupla.
Quando filmamos o Janela Molhada, em 2010, fazia 86 anos que ela havia parado de atuar, o que torna o seu caso particular no mundo. Na ocasião, ela já havia participado dos curtas Colégio Santa Margarida, Um Passeio a Tejipió, Recife no Centenário da Confederação do Equador e Pernambuco e Sua Exposição de 1924 (todos filmados no início da década de 20) e dos longas Veneza Americana (1925) e do inacabado A Vida de Santa Terezinha (1926). À posteriori, acabei filmando um segundo curta, com o intuito de contar a história dela própria.
Desses seis filmes históricos, há somente fragmentos da maioria deles. Por isso, foram recuperados durante a década de 1990, na Cinemateca Brasileira, sendo o último da relação sem registros das filmagens, embora seja citado em inúmeros estudos de pesquisadores da área e em matérias de jornais recifenses da época, a exemplo do A Província, do Diário da Noite, Jornal do Commercio e Diario de Pernambuco.
Para avivar um pouco a memória, segue o filme que atesta o espírito do tempo, bem como a participação prodigiosa de uma pioneira da arte cinematográfica no Brasil e o método utilizado a fim de recuperar estas películas históricas.
Janela Molhada from CurtaDoc Acervo on Vimeo.
* Marcos Enrique Lopes é educador, jornalista e documentarista, autor de três curtas-metragens, entre os quais Janela Molhada (2010), premiado em 16 festivais internacionais de cinema, e Tempo Impresso (2011), sobre as memórias de Dona Didi.