Rússia divulga documentos do pacto quebrado pela Alemanha nazista 

O Ministério da Defesa russo divulgou arquivos inéditos que esclarecem como o Tratado de Não Agressão entre a Alemanha e a antiga União Soviética foi assinado em 1939, quando o país era dirigido por Josef Stálin (1878–1953). No site do ministério, há, agora, uma seção multimídia dedicada ao Pacto Mólotov–Ribbentrop, assinado entre a URSS e a Alemanha nazista. Os documentos, publicados pela primeira vez, lançam luz sobre detalhes desconhecidos da política mundial antes da 2ª Guerra Mundial.

Pacto de Não Agressão

Nos arquivos, há informações sobre a preparação do Tratado, a descrição da situação na Europa e as razões para a intervenção militar soviética na Polônia. De acordo com o conteúdo revelado, o governo soviético temia uma aliança militar entre a Polônia e a Alemanha.

“Na avaliação dos especialistas militares soviéticos, naquele período a principal ameaça para a URSS era não a aliança militar entre a Alemanha e a Itália – mas a aliança da Alemanha com a Polônia”, lê-se no comunicado da pasta da Defesa russa. “Os documentos mostram que, às vésperas da guerra, forças unidas da Alemanha e da Polônia possuíam 160 divisões de infantaria, mais de 7 mil tanques e 4.500 aviões.”

O Pacto Mólotov–Ribbentrop, também conhecido como Pacto Nazi–Soviético foi assinado em assinado em Moscou, em 23 de agosto de 1939, pelos ministros dos Negócios Estrangeiros alemão Joachim von Ribbentrop e russo Viatcheslav Mólotov. A medida ajudou a URSS a ganhar tempo antes de entrar em guerra contra Hitler.

O processo

Quando Ribbentrop desembarcou em Moscou, naquele agosto de 1939, a comunidade internacional se chocou. Era improvável imaginar um ministro do 3º Reich surgindo na capital soviética para falar de paz com Stálin e Mólotov. Afinal, a ultraesquerdista URSS e a ultradireitista Alemanha pareciam inimigos naturais.

Hitler falava constantemente sobre o Reich ganhar o Lebensraum (“espaço vital”) no Oriente, o que significava planos de conquistar os territórios da URSS. A União Soviética, por sua vez, criticava o nazismo alemão na imprensa desde que Hitler havia chegado ao poder em 1933. Os soviéticos, mais do que isso, se posicionaram como a maior potência antinazista.

Hitler tinha pressa ao enviar seu ministro dos Negócios Estrangeiros para Moscou. O Reich estava se expandindo e anexando novos territórios: Áustria em março de 1938, Região dos Sudetas da Tchecoslováquia em setembro de 1938, o restante da Tchecoslováquia em março de 1939. Uma vez chegada a vez da Polônia, Hitler precisava de garantias de que a URSS não atacasse a Alemanha.

Havia urgência: o ataque à Polônia estava planejado para 25 de agosto, o exército estava pronto, todas as ordens foram dadas. Hitler tinha de agir rápido. “Hitler decidiu apostar tudo. Em 21 de agosto de 1939, ele se dirigiu a Stálin, pedindo-lhe que se encontrasse com Ribbentrop até o dia 23 de agosto”, escreve o reitor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, Anatóli Torkunov, em seu livro A História das Relações Internacionais.

Stálin concordou. As coisas correram bem: demorou apenas algumas horas para que eles chegassem ao acordo. À noite, Ribbentrop e Môlotov assinaram o tratado e o protocolo secreto. Do pondo de vista diplomático, o pacto entre a URSS e a Alemanha era um tratado de não agressão bastante comum – uma garantia escrita de não beligerância entre as partes e de que nenhum dos governos se aliaria, ou ajudaria, um inimigo da outra parte.

A traição

Em 22 de junho de 1941, apenas 22 meses após a assinatura, a Alemanha quebraria o pacto, atacando a URSS com toda sua força. Para Hitler, os acordos internacionais eram apenas pedaços de papel. “Ao assinar o pacto, tanto Hitler como Stálin percebiam perfeitamente que a guerra [entre a URSS e a Alemanha] era inevitável”, escreve Torkunov. O mais importante era o protocolo secreto que ajudou Stálin e Hitler a chegarem a um acordo sobre a futura fronteira entre a União Soviética e a Alemanha.

No protocolo, lê-se: “No caso de uma reorganização político-territorial dos distritos que compõem a República da Polônia, a fronteira das esferas de interesse da Alemanha e da URSS correrá aproximadamente ao longo dos rios Pisa, Narew, Vístula e San. A determinação se a preservação do Estado polaco independente é de interesse mútuo poderá ser realizada apenas no âmbito do futuro desenvolvimento político”.

O “futuro desenvolvimento político” apagou a Polônia do mapa do mundo. Em 1º de setembro de 1939, cerca de 1,5 milhão de soldados da Wehrmacht atravessaram a fronteira ocidental da Polônia, aniquilaram o exército polaco em duas semanas e capturaram Varsóvia.

Em 17 de setembro, o Exército Vermelho também entrou na Polônia, vindo do leste. Não encontrando quase nenhuma resistência, ocupou todos os territórios dentro de sua “esfera de influência”. Mais tarde, em 1940, os três Estados Bálticos (Estônia, Letônia, Lituânia) se juntaram à URSS, completando assim sua expansão territorial.

Posteridade

Embora não publicado, o protocolo não era totalmente secreto. Os diplomatas alemães vazaram informações e o mundo inteiro começou a, no mínimo, suspeitar de Moscou e Berlim. No jornal britânico The Guardian, poucos dias depois da assinatura do tratado, lia-se: “Há uma crença de que a Alemanha e a Rússia concordaram em dividir a Polônia e que os Estados Bálticos devem se tornar uma esfera de influência russa”.

A URSS negou a existência do protocolo secreto até 1989. Hoje, a posição dos líderes russos em relação ao pacto é moderada: não há por que se orgulhar do tratado, mas tampouco é um caso para vergonha. “A União Soviética fez repetidas tentativas para criar um bloco antifascista na Europa. Todas essas tentativas fracassaram. Quando a União Soviética percebeu que tinha sido deixada frente a frente com a Alemanha de Hitler, tomou medidas para evitar um confronto direto”, declarou o presidente russo, Vladimir Putin, em 2015.

Mesmo nomes como o historiador Aleksêi Issaev – que classificam o pacto de “vicioso e imoral” – reconhecem que a URSS foi beneficiada com ele na preparação para a guerra. “A situação estratégica melhorou em 1939. Os 300 quilômetros entre a antiga e a nova fronteira da URSS deram vantagem de tempo e distância”, diz Issaev.

Muitas das críticas à estratégia de Stálin esbarram na hipocrisia. A URSS não foi a primeira potência europeia a assinar “acordos com o diabo”. O Reino Unido e a França permitiam que Hitler militarizasse a Alemanha novamente e anexasse a Áustria e a Tchecoslováquia. Mas, ao contrário de Stálin, Neville Chamberlain e Édouard Daladier não ganharam nada com seus acordos com Hitler – apenas instigaram o agressor a conquistar cada vez mais espaço.

“A política de apaziguamento estava errada e era contraproducente, porque era impossível satisfazer o apetite sem fim dos nazistas”, avalia Torkunov. Hitler, de fato, não foi impedido por nenhum tipo de acordo – e só a 2ª Guerra Mundial, com suas 60 milhões de vítimas, conseguiu impedi-lo. Mas a épica resistência da URSS – que culminou na vitória sobre os nazistas ao fim do conflito – põe inevitavelmente em xeque as críticas ao mais célebre tratado de não agressão da História.