Retaliação à UNE, por Iago Montalvão

 MEC alega falta de recursos mas será onerado com a burocracia da identificação estudantil.

Iago Montalvão UNE - Foto: Richard Silva/PCdoB na Câmara

O governo Bolsonaro censurou a exibição de um filme sobre a história de Chico Buarque no “Brazil Film Festival 2019”, no Uruguai. Ernesto Araújo afirmou que é legítimo a embaixada escolher quais filmes apoiar. O episódio evidencia a visão do governo sobre a arte, a cultura e a liberdade de opinião e expressão. O presidente declarou, em julho, que ou impõe filtros ou fecha a Ancine. A ordem do prefeito do Rio para recolher obras da Bienal do Livro alerta para o risco de naturalização da censura e da perseguição na cena política.

Bolsonaro e seus apoiadores têm feito reiteradas ameaças às instituições, incentivado ataques ao Legislativo e ao Judiciário, alimentado crises institucionais e tentado impor a agenda do Executivo à margem dos ritos democráticos. Não são ocasionais as palavras de Carlos Bolsonaro contra o que considera lentidão da “via democrática”.

É no contexto de retaliação e perseguição política que deve ser compreendida a Medida Provisória 895, que pretende instituir novo modelo de identificação estudantil a ser emitida pelo MEC, retirando tal função das entidades representativas e colocando o ministério como tutor das organizações estudantis. Querem enfraquecer e calar, via sabotagem econômica, os que resistem à agenda obscurantista.

A atitude não é isolada contra o movimento estudantil. O governo editou duas outras MPs (892 e 896) para atingir a imprensa ao desobrigar a publicação de balanços de empresas e editais de licitações públicas em jornais de grande circulação. Além do garrote econômico para cercear a liberdade de imprensa, dificulta a transparência na administração pública.

Os falsos argumentos para a ingerência na identificação estudantil são o suposto monopólio das entidades nacionais na emissão e o valor pago pelo usuário. Segundo a Lei 12.933/13, fruto de dez anos de debates no Parlamento e na sociedade, milhares de entidades podem emiti-la. Tanto é que a UNE fez, em média, 150 mil carteiras ao ano após a vigência da lei, em meio a milhões de universitários. A gratuidade já é prevista para os estudantes de baixa renda.

Curioso é que o mesmo MEC que alega falta de recursos para cortar bolsas de estudo e orçamento de institutos e universidades federais, será onerado com a burocracia da identificação estudantil. Não faz nenhum sentido como política pública, é apenas uma retaliação.

A MP 895 é inconstitucional por seus desvios de finalidade, seja porque não há emergência que justifique tratar o tema sem o devido rito legislativo, seja pelo objetivo persecutório evidenciado nos discursos do presidente e dos ministros.

Bolsonaro foi eleito presidente da República, e não senhor de um grande engenho chamado Brasil. Ele, tanto quanto todos, deve obediência às leis e à Constituição.

São tempos difíceis. Assegurar a democracia duramente conquistada por gerações de brasileiros é a tarefa do presente. Ou nos unimos, acima de paixões políticas, para colocar freio à marcha da insensatez, ou teremos um encontro marcado com um passado sombrio.