Amazônia sofre com redes criminosas, impunidade e pouca fiscalização

Um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta terça-feira (17/09) denuncia a ação de redes criminosas que impulsionam o desmatamento e as queimadas na Amazônia, com a participação de invasores de terra e fazendeiros. As ações – que contam com a proteção de milícias armadas – dispararam desde o início do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PSL) e sua política ambiental predatória.

Amazônia

O documento de 169 páginas, intitulado “Máfias do Ipê: como a violência e a impunidade alimentam o desmatamento na Amazônia brasileira”, estabelece ligações entre o desmatamento ilegal e os incêndios florestais com atos de violência e intimidação contra os chamados defensores da floresta (como ativistas, agricultores, comunidades indígenas e até policiais e agentes públicos). O nome do relatório se refere a uma das árvores mais valiosas nas áreas de florestas. Quando árvores são retiradas de pequenas faixas de mata, o desmatamento pode não ser detectado por satélites.

Os grupos criminosos financiam o uso de grandes maquinários, como tratores caminhões e motosserras, e pagam pela mão de obra. Segundo o relatório, as ações ocorrem como consequência da grilagem – a falsificação de documentos para apropriação ilegal de terra. “Existem redes criminosas na Amazônia que estão envolvidas na extração ilegal de madeira em larga escala e em outros crimes, como ocupação de terras públicas, grilagem e, em alguns casos, com garimpo ilegal e tráfico de drogas”, afirmou Cesar Munoz, um dos autores do relatório, citado pelo G1.

Essas redes seriam coordenadas por fazendeiros e invasores de terras que atuam na região com capacidade logística de coordenar a extração, o processamento e a venda de madeira em larga escala. O relatório da HRW denuncia o fracasso do governo brasileiro em investigar e punir os responsáveis por esses crimes, o que é apontado como um dos fatores ligados a atos de violência contra os defensores da floresta.

“Os brasileiros que defendem a Amazônia enfrentam ameaças e ataques de redes criminosas envolvidas na extração ilegal de madeira”, afirmou Daniel Wilkinson, diretor de Direitos Humanos e Meio Ambiente da Human Right Watch. “A situação só está piorando com o presidente Bolsonaro, cujo ataque aos órgãos de proteção do meio ambiente coloca em risco a floresta e as pessoas que ali vivem.”

A cadeia criminosa

“O presidente Bolsonaro retrocedeu na aplicação das leis de proteção ambiental, enfraqueceu as agências federais responsáveis, além de atacar organizações e indivíduos que trabalham para preservar a floresta”, afirma a HRW. A organização também destaca o aumento do desmatamento e das queimadas nos primeiros oito meses do governo Bolsonaro.

A organização entrevistou mais de 170 pessoas entre 2017 e 2019, incluindo agentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Fundação Nacional do Índio (Funai), além de indígenas, comunidades locais e agricultores, policiais e promotores.

Os dados sobre crimes associados ao uso do solo foram reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja Católica, que contabilizou ao menos 300 crimes nos últimos dez anos. Os números da CPT são usados pela Procuradoria-Geral da República, já que o governo federal não possui um sistema de monitoramento dessas atividades criminosas.

O levantamento feito em campo foi realizado nos estados do Amazonas, Pará e Maranhão, com o apoio de entidades parceiras da HRW que atuam contra a violência no campo e em defesa dos direitos das comunidades indígenas. A pesquisa analisou 40 ameaças de morte, quatro tentativas de assassinato e 28 assassinatos, tendo a maioria sido cometida desde 2015. Segundo a ONG, havia nesses casos “evidências críveis de que os responsáveis por esses crimes estavam envolvidos no desmatamento ilegal e viam suas vítimas como obstáculos as suas atividades criminosas”.

Impunidade e falta de fiscalização

A impunidade dos criminosos também foi destaque no relatório. “Dos mais de 300 assassinatos registrados pela CPT, apenas 14 foram julgados; dos 28 assassinatos examinados pela Human Rights Watch, apenas dois foram julgados; e dos mais de 40 casos de ameaças, nenhum foi a julgamento”, diz a ONG.

Segundo a HRW, a polícia local reconhece suas próprias deficiência na condução de investigações adequadas e afirma que isso acontece porque as mortes ocorrem em áreas remotas. No entanto, a organização afirma ter documentado “graves omissões” nas investigações de assassinatos ocorridos em cidades, incluindo a falta de autópsias.

A HRW destaca a importância de ações das comunidades indígenas e outros grupos que vivem na Amazônia, que há muito tempo se esforçam para conter o desmatamento, alertando as autoridades sobre atividades ilegais que, de outra forma, poderiam passar despercebidas: “A redução da fiscalização ambiental incentiva a extração ilegal de madeira e resulta em maior pressão sobre a população local para que assuma um papel mais ativo na defesa das florestas. Ao fazer isso, ela se expõe ao risco de represálias.”

Em 2009, havia 1.600 inspetores do Ibama no Brasil. Em 2019, são apenas 780 – e somente uma parte deles está na Amazônia, aponta o relatório. No Pará, oito inspetores cuidam de uma área do tamanho da França. A Funai, que em 2012 possuía 3.111 funcionários, conta hoje com 2.224.