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Marcos Aurélio Ruy: A vida sem trabalho, segundo os poetas 

Pode-se viver sem trabalho? Para Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, não. Ele explicita, em sua canção Comportamento Geral, que o trabalho é fundamental para o ser humano ser pleno – mas realça que o trabalho deve ser prazeroso.

Por Marcos Aurélio Ruy*

Gonzaguinha

Ele alia o trabalho como fundamental para a vida com a resistência a um sistema que oprime e rejeita a alegria como parte de uma vida em busca da felicidade.

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

(…)

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: ‘Muito obrigado’
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem-comportado

 

Completamente atual em tempos de Jair Bolsonaro na Presidência e retrocessos mil na vida do País.

Já o grupo pernambucano Nação Zumbi, na música Livre Iniciativa, de Fred Zero Quatro e Xef Tony, denuncia o liberalismo que detona a classe trabalhadora em nome de uma suposta liberdade. Lembra o senhor de escravo que grita indignado ao ser impedido por um juiz de açoitar seu escravo, como sugere Karl Marx em A Ideologia Alemã.

Trabalho novo trabalho
Trabalho novo trabalho

Quem se importa de onde vem a bala
Qualquer dia tua acorda cheio
Quem se importa de onde vem a grana
Tu tem que ter o bolso cheio”

Já Raul Seixas mostra uma visão da necessidade de que o trabalho não seja alienado para a satisfação geral de trabalhadoras e trabalhadores na belíssima Ouro de Tolo. Porque é tolo quem se sente superior seja porque motivo for.

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal

Raul não deixa por menos e canta como o trabalho, por ser tão essencial para a vida humana, também é tão frustrante para quem deseja mais do que simplesmente vida boa para si e para os seus. É preciso ir além na contestação e na busca de vida boa para todo mundo.

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73…

Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Essas três canções do rico acervo da música popular brasileira mostram como o trabalho é indissociável de uma vida plena e feliz. Como diz Gonzaguinha: “E sem o seu trabalho / O homem não tem honra / E sem a sua honra / Se morre, se mata”. Mas essa é outra história de outra linda canção.

* Marcos Aurélio Ruy é jornalista