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Maria Aparecida Dellinghausen Motta: Amazônia, Meu Amor! 

Parafraseando o título do filme franco-japonês Hiroshima, Meu Amor (1959), dirigido por Alain Resnais tendo como roteirista Marguerite Duras, começo a escrever esta crônica. Quem por ti não se apaixona, Amazônia?! É uma inquietante pergunta diante dos desmandos e dos crimes ambientais tão gritantes nesses dias ardentes de fogo e fúria.

Por Maria Aparecida Dellinghausen Motta*

Amazônia

Terra que até hoje não pisei, mas tão visível tua mata verde (mostrada em postais, televisão, documentários), tão exuberante que a qualquer um encanta e fascina. E parecias tão próxima porque eras um gigante que estava a poucos palmos de nós!

Tantos livros, fotos, reportagens, filmagens enaltecendo teus dotes de exuberância, riqueza e plantas de tantas espécies para alimentos, laboratórios, perfumarias. E, mais ainda: tua existência decisiva para o equilíbrio do clima mundial!

Amazônia, vital para os brasileiros e enchia-nos de orgulho por seres o nosso grande bioma compartilhado com os nossos irmãos-vizinhos desta Sul América, distribuindo igualmente tantas benesses. Mas, éramos nós quem detínhamos a maior extensão de tuas matas com seus povos habitando teu imenso coração, rios de caudalosas extensões e profundidade, chuvas em abundância, plantas para todas as curas, fauna inigualável no mundo!

Brasileira Amazônia, eras tu nosso imenso coração, nosso ilimitado pulmão e não te sentias constrangida a beneficiar tantos outros, o mundo todo! Sim, porque o mundo depende de ti! Mas, que fizemos de tudo isso?

Eis que o nosso país obscureceu pelo desatino da enganosa escolha! O país carbonizando-se pela desqualificadora ganância, pelo desequilíbrio da consciência coletiva. E entramos no mais sombrio dos corredores da aventura humana: da brutalidade das palavras, dos gestos indicativos de morte, da pilhagem ambiental devastadora, da acintosa conduta de descrédito da Ciência e da generosidade.

A aposta cega desencadeou as catástrofes do país: de Mariana, do Museu Nacional, de Brumadinho, do genocídio das populações negra e indígena. Esse corredor foi se estendendo, cruzando os quatro pontos cardeais e veio desembocar convulsivamente no Norte do país, ultrapassando os limites de fronteiras.

Ganância, volúpia pelo poder, pressão vinda do império norte-americano foram alargando as fronteiras de campos para soja, pastagens, mineração, exploração de madeiras, levando a raso tudo o que estivesse pela frente. E assim foi decretado pelos poderosos proprietários e grileiros “o dia do fogo”! Do fogo do Inferno dantesco que se abriu diante de nós! Inferno que teremos de atravessar agora sem o amparo da mão de Virgílio. Já miseráveis e sem esperança nos encontramos, enquanto o pacto do ouro e de tudo o que temos de melhor entrou em negociação, como prova da nossa subserviência! Uma minoria já tomando posse de tudo, avassala, destrói!

O presidente insensível, no comando da nação com seu projeto de lesa pátria, não consegue assimilar que é desta Amazónia que depende a vida, já no presente, e que num futuro próximo a desertificação será a paisagem panorâmica do que antes fora a essência da nossa vida e do nosso amor. O “verde, que te quero verde” foi acossado pelo descaso, não mais representando o simbolismo de nossa riqueza e da própria bandeira nacional.

Amazônia, hoje ardes em chamas e já carbonizada, fato que vem gerando protestos no mundo inteiro! Ambientalistas, direitos humanos, povos, florestas? — Que importa?! — Toda mina desta floresta, deste chão, destes rios com tanta água!… Este país tão rico precisa ser pilhado! E esta riqueza deve ser para poucos que, com o anseio de Midas, se apossaram de nosso bem maior!

Dia 5 de setembro é o Dia da Amazônia e não temos o que comemorar diante do quadro que hoje se apresenta. E eras de todos nós, irmanados pela gigantesca floresta. Mas, eles te queriam no chão, feito carvão, rasgando teus restos para o pasto, para a soja envenenada, para a mineração predadora. Contaminar tudo era preciso, atear fogo e expulsar os povos indígenas e quilombolas como estorvo à sua frente. O Império também quer a sua parte! Enquanto isso, um fantoche lhes acena com consentimento.

O “dia do fogo” foi decretado ardendo os povos, os bichos, os verdes, as águas… Os rios poderão mostrar-se incendiados como na ameaça do Anhanguera (o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva) aos nativos do país para entregar as minas preciosas. E o medo “bobo” dos inocentes chefes indígenas é agora o nosso medo de civilizados! Que prenúncio fora dado ali!

A hostil destruição de nossa imensa floresta, que era tão verde como a esperança de nosso sonho por um país soberano, sonho que já não poderá se concretizar. Amazônia, por este amor, não podemos permitir tua destruição. Haverá tempo de recomposição da vida contida na rica floresta? A capacidade de regeneração do mundo natural não consegue acompanhar o ritmo da degradação operada pelo homem. Quantas gerações passarão até se reerguerem os novos troncos e brotar as sementes?

A lição é dura e amarga exigindo de nós firmes propósitos e atitudes concretas para não sucumbir o mundo, para não sucumbir o homem.

Amazônia, Amazônia, meu amor!

* Maria Aparecida Dellinghausen Motta, filósofa e escritora, é coordenadora da Ciranda de Letras – Editora Autores Associados