O conflito na Palestina é parte de um contexto mundial

Nesta quinta-feira (5), o historiador e especialista em relações internacionais, Sayd Marcos Tenório, lança, em Brasília (DF), o livro ‘Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência’. A obra, um compilado da vivência e dos relatos colhidos pelo autor desde o início de sua militância política, busca desmistificar o pertencimento da Palestina Histórica aos atuais ocupantes, os sionistas israelenses.

Sayd Marco Tenório - Foto: Divulgação

Nesta entrevista concedida à jornalista Nathália Bignon, especial para o Portal Vermelho, Sayd explica a origem do conflito que marca a Questão Palestina, fala sobre as tratativas e quais as perspectivas para a resolução deste conflito que já dura mais de 70 anos em uma parte do mundo que o povo brasileiro pouco tem acesso.

O seu envolvimento com a causa palestina costuma inspirar curiosidade. Quando começou e por que?

Sou militante político desde a adolescência, no movimento estudantil secundarista, sendo parte do PCdoB há 40 anos ininterruptos. E como militante comunista, o internacionalismo e a solidariedade internacional sempre foram princípios adotados pelo nosso Partido e pelos comunistas em todo o mundo. Tomei conhecimento da causa palestina muito cedo. A violência e as violações de Israel contra palestinos, os assassinatos, a perseguição a Yasser Arafat, as expulsões de famílias inteiras de suas casas e terras foram fatos que sempre me deixaram muito indignado e revoltado, porque aconteciam sem que o mundo tomasse qualquer atitude em defesa dos agredidos. Por isso, decidi me tornar ativista dessa causa, denunciar as injustiças e os crimes de Israel, por meio da participação em manifestações e outras atividades, escrevendo artigos sobre o tema, atualmente também a partir das redes sociais e agora, por meio deste livro, onde exponho minhas observações de maneira mais organizada e com os temais tratados de maneira mais aprofundada.

A Palestina é o centro de um dos conflitos mais complicados do cenário mundial atual, mas de forma geral, os brasileiros têm pouco conhecimento sobre a questão e suas diversas nuances. Acredita que a visão externa pode aclarar e trazer perspectivas sobre o real estágio desse conflito?

O conflito na Palestina é sempre tratado de forma distorcida, como um problema originado da disputa político-religiosa entre os judeus, de um lado, e pelos palestinos – muçulmanos e cristãos, de outro -, fazendo com que as pessoas sejam levadas a acreditar na narrativa bíblica, de que é um problema relacionado à disputa por um território “prometido”, um povo “escolhido”, para exercer o seu domínio sobre a terra e o gênero humano e que voltaram depois de séculos para reclamar este direito adquirido e fundar o seu Estado.

A verdade histórica é que o conflito é parte de um contexto mundial que evoluiu a partir do surgimento do sionismo internacional, um movimento nacionalista judaico, fundado na Europa no século XIX, que pregava o estabelecimento de um “lar nacional para os judeus”, que seria concretizado a partir da criação de um Estado puramente judeu na Palestina, que adotou o nome de Israel. Israel é Estado racista, não só em sua estrutura sociopolítica, mas também em sua composição étnica, de cuja estratégia faz parte o atual estágio de apartheid e limpeza étnica. O projeto colonialista dos sionistas ganhou impulso quando a ONU promoveu a partilha da Palestina em 1947, por meio de um ato injusto e ilegal, porque as Nações Unidas não tinham qualquer jurisdição ou poder sobre o território palestino. A ONU, além de dar um aval internacional ao projeto colonial sionista, também lhe forneceu os meios políticos para sua realização, embora depois tenha tentado amenizar as trágicas consequências da Partilha a partir de programas paliativos desenvolvidos por meio de suas agências.
Penso que o conflito só terá fim quando uma solução justa for levada à termo, com o apoio da comunidade internacional e em concordância com a democracia, o Direito Internacional e a Justiça, no qual seja assegurado o direito de regresso dos refugiados, a compensação e a permanência de todos na terra palestina. Os acordos bilaterais realizados até agora se mostraram ineficazes e só reforçam a ocupação israelense. A comunidade internacional precisa pressionar Israel para que acabe com sua ocupação e colonização, desocupando os assentamentos coloniais ilegais, repudiados por todo o mundo. Caso contrário, é responsabilidade moral e política dessa mesma comunidade internacional e do mundo livre sujeitar Israel a sanções e boicotes econômicos, políticos e culturais semelhantes aos impostos ao regime sul-africano do apartheid.

O ano 2012 representou um marco para o conflito, já que a partir do ingresso como um dos países observadores da ONU, outras nações passaram a reconhecer o Estado Palestino. Qual a importância desse período e o que mudou de lá para cá?

O Estado da Palestina é reconhecido por 133 dos 193 Estados-membro das Nações Unidas. As votações na Assembleia Geral da ONU de matérias de interesse da Palestina são aprovadas por larga maioria, o que demonstra o interesse das nações na solução daquele conflito. O Brasil reconheceu o Estado palestino em dezembro 2010, durante o governo do Presidente Lula. Até aquela data, apenas seis países da região reconheciam a palestina como um Estado independente. Depois do ato do presidente Lula, todos os demais países da América Latina também o aceitaram como tal. O reconhecimento internacional, somado ao vasto movimento de solidariedade internacional, o movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel e as denúncias dos crimes e violações praticados contra palestinos, são instrumentos importantes para enfraquecer a ocupação sionista e forçar o mundo a adotar uma posição firma contra o apartheid israelense.

A questão territorial segue sendo um ponto de conflito que já se arrasta por mais de 70 anos e que envolve interesses econômicos de Israel, Estados Unidos e que ainda conta com o imbróglio da administração de Jerusalém e o domínio israelense sobre os recursos naturais da região. Como seguem as tratativas e quais as perspectivas para um consenso sobre a região?

A partilha da Palestina ocorreu em novembro de 1947, por meio da resolução 181 da Assembleia Geral da ONU. Criou-se o Estado judeu e o Estado árabe, que permanece até hoje sem existir formalmente. A recém-criada Organização das Nações Unidas, que à época contava com apenas 48 Estados-Membro, decidiu dividir um país com uma história de mais de cinco mil anos, desde que os cananeus chegaram àquelas terras. A Palestina foi dominada por romanos, persas, muçulmanos, otomanos, britânicos, sem nunca ter sido dividida ou fracionada. A chegada dos judeus sionistas asquenazes e khazares trazidos da Europa Central e do Leste europeu, mudou a geografia e a demografia da palestina e até hoje essa gente tenta desfigurá-la, para estabelecer o seu Estado racista.

A luta dos palestinos é para que sua terra seja uma unidade territorial integral, a terra milenar, histórica e com forte significado religioso para as três grandes religiões monoteístas, a terra e o lar do povo palestino, seja ele judeu, cristão, muçulmano, árabe ou não árabe. Para os palestinos, 1948 é o cerne da questão e somente tratando dos males perpetrados pela Partilha e ocupação pode-se pôr um fim no conflito na região.


Com a chegada do Hamas ao poder do território palestino, o cenário se tornou mais tenso. Quais os mitos e verdades em torno do Movimento e quais as bandeiras defendidas hoje?

O Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas, foi fundado em 1987 e detém, hoje, uma forte influência política na Palestina. O Hamas é considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos, Israel e seus satélites, mas respeitado e considerado por muitos países como um legítimo movimento de resistência palestino. A verdade é que o Hamas nada mais é do que um partido político legalmente constituído e em franca ascensão nos territórios palestinos de Gaza e da Cisjordânia, que têm uma base social muito forte. É um movimento nacional palestino, de orientação islâmica, de libertação e resistência, que representa uma das principais forças do nacionalismo islâmico na Palestina.

A pergunta que muita gente faz é: como é que o Hamas, um partido de orientação islâmica, armado e tido pelo ocidente como uma organização terrorista, conseguiu vencer as eleições palestinas de 2006, mesmo diante de todo o cerco israelense, chegando a eleger 76 dos 132 deputados do parlamento palestino, enquanto o seu maior rival, o Fatah, conseguiu apenas 43 cadeiras? A vitória do Hamas foi uma das consequências do esgotamento da esperança dos palestinos nos realizados entre a Autoridade Palestina e o ocupante sionista. Principalmente com os acordos de Oslo, onde a ANP fez enormes concessões e se tornando, na prática, gerente da ocupação. Israel é um Estado fora de lei. Não respeita o Direito Internacional, as Resoluções da ONU e nem as Convenções Internacionais. Por que respeitaria os acordos com a ANP, com a autoridade de um país desarmado e politicamente isolada e desacreditada em seu próprio território?

O sucesso do Hamas nas eleições de 2006 foi uma consequência da adoção de um programa crítico à atuação da ANP e uma combinação de resistência contra a ocupação sionista, a crítica aos acordos de Oslo e onde, politicamente, defendiam uma sociedade civil palestina avançada, baseada no pluralismo político e na alternância do poder. Seu programa tratava de assuntos internos e externos, como a reforma administrativa, o combate à corrupção, ao clientelismo e à troca de favores, se encarregava da reforma judicial e política, liberdade do povo e direitos civis, orientação religiosa, política social, política cultural e o uso da mídia.

No atual contexto geopolítico, qual a importância de debater esta temática?

Costumo dizer que a questão da libertação da Palestina e o fim do apartheid israelense é o tema mais urgente da humanidade. Não temos como aceitar que, em pleno século XXI, todo um povo seja refém de um projeto colonial racista, de um apartheid social que os torna pessoas de segunda categoria, a quem tudo é proibido, obrigado a conviver como exilados e sem direitos dentro do seu próprio território. E onde Gaza, que tem a maior densidade demográfica do mundo, seja considerada a maior prisão á céu aberto do planeta. O mundo precisa saber o que se passa na Palestina. O mundo não pode continuar a acreditar na narrativa de Hollywood, nas séries do Netflix e nem na lenda de que Israel é a única democracia do Oriente Médio. Mas saber que Israel é uma ocupação ilegal, racista, que comete crimes de guerra, pratica apartheid e tem um projeto colonialista que vai muito além das fronteiras da Palestina História.

O mundo precisa saber que Israel é um Estado colonialista e racista, uma ocupação ilegal na Palestina, que submete o povo palestino à opressão, cerco, humilhação diária e violações sistemáticas dos direitos humanos.

São estes temas que você trata em seu livro ‘Palestina: do mito da terra prometida á terra da resistência’?

O livro é um vasto trabalho de pesquisa, que venho desenvolvendo há alguns anos. Durante esse tempo, pude conversar com palestinos de Gaza, da Cisjordânia e da diáspora, apoiadores da causa e estudiosos sediados em vários países e consultei os principais escritores que se dedicam ao tema. Nas suas 412 páginas, eu busco desmistificar o pertencimento da Palestina Histórica aos atuais ocupantes israelenses. É um livro dirigido a quem quer conhecer o conflito por meio das fontes palestinas e da resistência. E para quem quer aprofundar suas informações, a partir da visão de um brasileiro, muçulmano e comunista.

Meu livro faz um retrospecto histórico desde os primeiros habitantes cananeus, que chegaram àquelas terras há seis mil anos e fundaram a terra de Canaã, que mudou de nome com a chegada dos Filisteu, dois mil anos depois e criaram a Palestina, uma terra que jamais teve o nome de Israel, essa aberração criada em 1948. Falo das ocupações, das guerras e conquistas da Palestina e de Jerusalém, contestando a teoria da “terra prometida” e do “povo escolhido”, designações utilizadas de maneira contrabandeada pelos israelenses. Do mesmo modo, questiono a legalidade e legitimidade da partilha realizada pela ONU em 1947 e da eficácia dos Acordos de Oslo, celebrados entre Israel e a ANP em 1993.

Segundo meu estudo, essas ações levaram a Palestina e o seu povo à encruzilhada em que se encontram hoje, que inviabiliza a solução de dois Estados. Procuro demonstrar que o conflito na Palestina não é uma disputa político-religiosa travada entre judeus e palestinos, mas que é parte de um contexto que se agravou quando a ONU dividiu a Palestina secular em dois Estados, permitindo a criação do Estado de Israel sem fronteiras e sem demografia definidas, enquanto, passados 71 anos, o Estado palestino continua impedido de ser viabilizado. É um trabalho onde me associo aos que defendem o legítimo direito do povo palestino à resistência e às armas, bem como o direito ao retorno dos refugiados, a compensação e a permanência de todos na terra palestina. O livro traz também um relato do surgimento e da atuação do Movimento de Resistência Islâmica no cenário político da Palestina e uma entrevista exclusiva com o principal dirigente político do Hamas, Ismail Haniyeh.

Serviço:

Lançamento do livro Palestina: do mito da terra prometido à terra da resistência, de Sayid Marcos Tenório
Local: Sebinho Cultural e Gastronomia, na SHLN 406, Bloco C, Loja 72, Brasília-DF
Data: 5 de setembro (quinta-feira)
Horário: 19 horas