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Celso Marconi: O documentário Terra Deu, Terra Come 

Esse filme documentário brasileiro Terra Deu, Terra Come foi lançado em 2010, e de lá para cá já recebeu muitos prêmios nacionais e internacionais. Mas penso que o prêmio mais importante foi ter recebido um elogio especial do documentarista Eduardo Coutinho. Isso mostra o quanto a obra é uma produção que realmente traz para o público uma estória da vida real brasileira.

Por Celso Marconi*

Terra Deu Terra Come

Em resumo, se trata do enterro de um senhor do Quilombo Quartel do Indaiá, que fica em Diamantina, Minas Gerais. Segundo a estória apresentada por Pedro de Almeida, outro senhor da região, o morto tinha 120 anos de idade, se chamava João Batista e morreu mesmo de velhice. No começo, o narrador se mostrou muito acanhado para se apresentar diante da câmera, mas depois se soltou e criou uma autêntica encenação durante toda a cerimônia. Se houvesse um encenador fundamentado num dramaturgo, não conseguiria fazer coisa melhor.

O período do filme é de hora e pouco, mas a duração real é de menos de um dia, começando por levar o defunto para sua sala e depois levá-lo até uma espécie de poço na região. O senhor Pedro de Almeida se soltou mesmo, dialogou tanto com o defunto João Batista quanto com os presentes, e particularmente com a equipe de cinema. A equipe, dirigida pelo cineasta Rodrigo Siqueira, não fez mais que acompanhá-lo. Claro que seguindo a técnica devida.

Eduardo Coutinho elogiou com precisão o trabalho, pois o fundamental temos nesse documentário brasileiro, que é deixar os personagens se mostrarem com autenticidade. Mesmo que eles se comportem excitados pela vaidade de aparecer num filme, a verdade pode se destacar. Mesmo que muito do que é dito não seja verdade, o espectador tem que ter o olhar arguto e tirar das cenas aquilo que não é brincadeira. É um autêntico trabalho de antropologia.


 

No Brasil, dos anos 50 para cá existem centenas de filmes que não são só diversão, mas a mais autêntica cultura. E isso se o pesquisador exigir encontrar cultura erudita das mais fundamentais. Quando o Cinema Novo existiu, um aspecto que estava para ser desenvolvido foi o de fazer chegar a produção cinematográfica ao grande público, mas assim não aconteceu por reação da ditadura. O governo ditatorial se negou a dar continuidade ao trabalho de divulgação dos filmes nas escolas. E mataram o Cinema Novo.

Hoje, temos um governo federal da mesma laia daquele de 64. E inclusive hoje existem excelentes formas de divulgação da arte cinematográfica. Mas se houvesse desejo do poder, em vez de tentar “evangelizar” a Ancine, o governo deveria era criar um site e nele colocar todos os filmes brasileiros sem pensar em ideologia. E deixar o povo assistir. Só assim poderá crescer a cultura popular. E também a cultura das elites, esse pessoal que não sabe nem seguir os caminhos abertos por um Mário de Andrade.

* Celso Marconi, 89 anos, é crítico de cinema, referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte