Os interesses econômicos por trás da destruição da Amazônia

Desmatamento, pecuária e extração ilegal de madeira estão entre as causas do número recorde de focos de incêndio na maior floresta tropical do mundo.

Por Ana Magalhães, Daniel Camargos e Diego Junqueira

incêndio

As queimadas que destroem a Amazônia e chamam atenção mundial são apenas a face mais visível da exploração da maior floresta tropical do mundo. Por trás da derrubada da mata e do fogo, estão poderosos interesses econômicos: a criação de gado, o comércio ilegal de madeira e a produção de soja.

Parte desses produtos tem como destino final a Europa. O presidente da França, Emmanuel Macron, chamou as queimadas de “crise internacional”, declaração que foi interpretada como uma subida no tom das ameaças sobre a compra de produtos brasileiros — e que coloca em xeque o acordo entre Mercosul e União Europeia. A relação do mercado internacional com as queimadas não é simples, já que a Europa compra produtos que saem de áreas desmatadas ilegalmente há anos, conforme a Repórter Brasil denunciou em diversas reportagens.

O fogo é uma das etapas do processo de abertura de pastagens, que tem início na derrubada da floresta com tratores e correntes, passa pela secagem e pelas chamas e termina no plantio de capim para alimentar os animais, de acordo com Erika Berenguer, pesquisadora sênior do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford. Após a substituição das árvores pelo gado, o terreno pode vir a ser usado para o plantio agrícola, segundo a pesquisadora, que estuda queimadas na Amazônia há 10 anos.

Se na década de 1970 apenas 1% da Amazônia estava desmatada, hoje o índice chega a 20%, segundo relatório da Procuradoria do Meio Ambiente do Ministério Público Federal. A destruição da floresta acompanhou a evolução do rebanho bovino na Amazônia, que passou de 47 milhões de animais em 2000 para cerca de 85 milhões atualmente. Quase 40% das 215 milhões de cabeça de gado do país pastam em áreas amazônicas. A pecuária ocupa 80% da área desmatada da região, segundo o relatório.

A exploração econômica da Amazônia está por trás dos 40 mil focos de incêndio que atingiram a floresta de 1º de janeiro a 23 de agosto, detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É o maior índice de queimadas desde 2010.

O aumento dos focos de incêndio acontece em meio a medidas controversas tomadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, como a redução das fiscalizações ambientais, os cortes orçamentários para o ministério do Meio Ambiente, o questionamento dos dados oficiais sobre desmatamento e a extinção do Fundo Amazônia.

Ao contrário do que declarou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que as queimadas devem-se ao “tempo seco, vento e calor”, os dados do INPE indicam que o fogo vem sendo causado pela derrubada da floresta, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Fronteiras agrícolas

Não por acaso, as atuais queimadas da Amazônia acontecem em áreas tradicionalmente dedicadas a pastagens ou a plantações de soja. Um cientista da agência espacial Nasa apontou com precisão a localização dos focos de calor detectados em agosto. “[Os satélites mostram] colunas de fumaça enormes saindo daquelas áreas da fronteira agrícola, como Novo Progresso, a região da Terra do Meio, no Pará, e o sudeste do estado do Amazonas”, disse Douglas Morton ao jornal Folha de S.Paulo, acrescentando que a última vez que os satélites detectaram uma destruição semelhante foi em 2004.

Localizada na bacia do rio Xingu, a Terra do Meio é ameaçada pelo avanço do desmatamento na cidade paraense de São Félix do Xingu, que possui o maior rebanho bovino do país, com 2,2 milhões de cabeças. Ali, a gigante mundial da produção de carne, JBS, foi flagrada comprando gado de um grupo econômico multado pelo Ibama por desmatar a Amazônia.

Trata-se da AgroSB, uma das maiores produtoras de gado do país, que foi multada por desmatamento ilegal em R$ 69,5 milhões entre 2010 e 2019, em suas fazendas em São Félix do Xingu, conforme mostrou, em julho, investigação da Repórter Brasil em parceria com o jornal britânico The Guardian. A companhia, que faz parte do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, é uma das fornecedoras de gado da JBS.

Não foi a primeira vez que a JBS comprou gado de grupos desmatadores. Em 2017, a produtora de proteína animal comprou gado de Jotinha, apelido de Antônio Junqueira, que operava na região o maior esquema de desmatamento ilegal associado a grilagem de terras da história da Amazônia, segundo operação realizada pelo MPF. A denúncia sobre exportação de carne ligada ao desmatamento, feita pela Repórter Brasil em parceria com o The Guardian, levou o mercado inglês Waitrose, sétimo maior da Inglaterra, a retirar a carne da empresa brasileira de suas prateleiras.

Procurada, a JBS informou que mantém o posicionamento que deu à época da publicação das reportagens, quando afirmou que, “assim que recebeu as informações sobre as irregularidades, todas as compras de gado da família Junqueira foram imediatamente interrompidas”.

Sobre a compra de gado da AgroSB, a JBS informou que “os fatos apontados não correspondem aos padrões” adotados pela companhia. A empresa informou que não adquire animais de fazendas envolvidas com desmatamento ou que estejam embargadas pelo Ibama. A empresa reforça que possui um sistema robusto de monitoramento dos seus fornecedores de gado.

Já a AgroSB, também em nota divulgada na época da publicação da reportagem, afirmou que comprou a fazenda Lagoa do Triunfo em fevereiro de 2008 e que “nunca realizou qualquer supressão de vegetação no imóvel”. “O modelo de negócio da AgroSB está ancorado na aquisição de áreas abertas e com pastagem degradadas, as quais são adubadas, recuperadas e transformadas em pastos de alta intensidade ou plantações de grãos”, completa a nota.

Plantações de soja

Enquanto a pecuária desmatadora se concentra nos estados da Amazônia Legal, a maioria das plantações de soja ocupam áreas do cerrado. Porém, parte das plantações do grão está no norte do Mato Grosso – cujo bioma é amazônico. Na cidade matogrossense de São José do Rio Claro, por exemplo, a Repórter Brasil flagrou um fazendeiro denunciado e multado por trabalho escravo e desmatamento ilegal que exportava proteína soja para a Noruega. No país nórdico, a soja era usada como ração na criação de salmão.

Ainda que em menor proporção, as plantações de soja também contribuem para a destruição da floresta. Em 2018, o então ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, divulgou estudo revelando que o grão ocupa ilegalmente 47,3 mil hectares de floresta desmatada da Amazônia – aumento de 27,5% na comparação com o registrado na safra anterior (37,2 mil hectares).


Empresas dinamarquesas compraram, em 2018, madeira irregular de exportadores brasileiros multados diversas vezes pelo Ibama (Foto: Ibama)

A Operação Shoyo, realizada em outubro de 2016 pelo Ibama, investigou no Mato Grosso os compradores de “soja pirata” – grão produzid0 em áreas desmatadas e embargadas. A operação resultou em multas de R$ 170 milhões relacionadas à plantação em áreas proibidas, de acordo com informações do relatório “Salmon on soy beans – Deforestation and land conflict in Brazil”.

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) divulgou nota nesta sexta-feira (23) em que condena a ocorrência de queimadas na Amazônia em áreas de vegetação e de produção agrícola no norte do Brasil.

Sobre a extração ilegal de madeira na Amazônia, investigação conjunta da Repórter Brasil e da organização jornalística dinamarquesa Danwatch revelou, no ano passado, que empresas daquele país compraram produtos de exportadores brasileiros multados diversas vezes pelo Ibama. Uma comprovação de que esses crimes não estão sendo bem controlados por redes de fornecedores internacionais.

Desmatadores financiam campanha

O agronegócio brasileiro tem relações estreitas com a classe política. A JBS foi uma das maiores financiadoras de campanhas políticas em 2014. Executivos da empresa assumiram em delações que destinaram mais de R$ 500 milhões para ajudar a eleger governadores, deputados estaduais, federais e senadores de todo o país. Ainda que a empresa dona das marcas Friboi e Swift não tenha sido diretamente multada por desmatamento, ela mantém entre sua rede de fornecedores diretos e indiretos grupos autuados pelo crime.


Servidores do Instituto Chico Mendes (ICMBio) posaram para uma foto com a frase “Amazônia, estamos aqui”, um recado para governo dizendo que eles estão dispostos a irem fiscalizar e punir os desmatadores e os responsáveis pelas queimadas.

Após a prisão dos donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, em 2017, a empresa parou de financiar campanhas, mas executivos ligados a companhias que foram autuadas pelo Ibama por crimes ambientais – o que inclui desmatamento ilegal – fizeram doações para campanhas de pelo menos 117 deputados e senadores eleitos, que somam R$ 4,2 milhões. Entre os financiados por desmatadores, há nomes proeminentes, como o do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros.

O levantamento exclusivo feito pela Repórter Brasil cruzou dados do Ibama e da Receita Federal e foi publicado em 5 de fevereiro deste ano. O levantamento considera crimes ambientais em todas as regiões do país e não apenas na Amazônia.

Reação

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse na sexta-feira (23) que as queimadas ocorrem durante todo o ano no Brasil. Ela destacou que não se pode dizer que o agronegócio brasileiro é o “grande destruidor” da Amazônia em razão dos incêndios que ocorrem neste momento na região. “Existe hoje uma preocupação do mundo com o meio ambiente. O Brasil não está fora dessa preocupação. E os produtores rurais também têm essa preocupação porque eles são os maiores prejudicados, principalmente aqueles que usam tecnologia”, disse a ministra.

Também na sexta-feira (23), um grupo de servidores do Instituto Chico Mendes (ICMBio) posou para uma foto com a frase “Amazônia, estamos aqui”. Segundo um dos servidores, a foto é um recado para governo federal dizendo que eles estão dispostos a irem fiscalizar e punir os desmatadores e os responsáveis pelas queimadas. “Mas o governo precisa liberar verba e autorizar as operações”, disse um dos fiscais durante o treinamento realizado na Academia Nacional da Biodiversidade, em Iperó (SP).