O general Villas Bôas, Ho Chi Minh e o governo Bolsonaro

Sempre tivemos o maior respeito pelo general Eduardo Villas Bôas. Guardo na memória, durante o tempo em que estive na Escola Superior de Guerra (ESG), a consideração de todos os militares, a começar pelo então comandante daquela instituição, tenente-brigadeiro Masao Kawanami, para com o general Villas Bôas.

Por Carlos Lopes

Villas Boas - Foto: Agência Brasil

Além disso, temos amigos comuns, desde Santa Maria até o Rio de Janeiro.

Porém, não deixa de ser algo sintomático que o general Villas Bôas, por agora assessor de Augusto Heleno no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), tenha recorrido a Ho Chi Minh para defender a política do governo Bolsonaro.

Disse o general Villas Bôas, sobre as declarações do presidente francês, Emmanuel Macron, de que colocaria em discussão no G-7 a devastação da Amazônia sob a égide do governo Bolsonaro:

“A questão que se coloca é de onde viria autoridade moral daquele país que, como disse Ho Chi Minh, é a pátria do Iluminismo, mas quando viaja se esquece de levá-lo consigo.”

A França, realmente, é um país imperialista – ainda que seja um imperialismo de segunda ou terceira categoria.

Mas a única coisa que está permitindo que Macron se apresente como defensor da Amazônia – e até da Humanidade – é a política do governo Bolsonaro, e, antes de tudo, o desequilibrado que o encabeça.

Portanto, o que faz com que, apesar de sua falta de autoridade moral, a França se meta a dar palpites sobre a Amazônia, é a hostilidade de Bolsonaro àquilo que deveria – e jurou – defender.

Se o aumento da devastação da Amazônia é um escândalo e uma tragédia para os brasileiros, pior ainda é um sujeito que culpa governadores e ONGs pelo que ele provocou.

É verdade: quem deve cuidar da Amazônia brasileira são os brasileiros.

Mas Bolsonaro não representa os brasileiros, e não apenas porque é, notoriamente, um poodle de Trump.

Bolsonaro odeia tudo o que é brasileiro, a começar pelos oficiais-generais do Exército, a quem atribui a sua saída do Exército ainda enquanto capitão (cf. HP 16/08/2018, Terrorismo de baixa potência).

Para ele, o fato de que outros chegaram a general, mas não ele, obrigado a se reformar depois de seus atos contra a disciplina castrense, é suficiente para que os generais mereçam as humilhações que puder infligir a eles – como, aliás, já fez mais de uma vez.

Inclusive com o general Villas Bôas, ao deixar um percevejo difamá-lo pelas chamadas “redes sociais”, obrigando o general a respondê-lo e a defender a honra do nosso Exército (v. HP 09/05/2019, O general Villas Bôas, Bolsonaro e o Rasputin confederado).

Uma amiga, historiadora que trabalhou na ESG, e também amiga do general Villas Bôas, tinha o hábito de, quando o via, emitir o grito de guerra: “Selva!”, ao que o general sorria – e correspondia.

Trata-se, portanto, de um homem civilizado e inteligente. O grito “Selva!” expressa a nossa determinação de defender a nossa Amazônia, o nosso patrimônio natural e nacional, que o leitor nos permita essa repetição excessiva da palavra “nossa”.

Isso é, exatamente, tudo a que Bolsonaro é oposto. Além do servilismo ao que existe de pior nos EUA, internamente, ideologicamente, Bolsonaro é um miliciano – e o fato do assassino da vereadora Marielle Franco morar quase em frente à sua casa não pode ser tido como um acidente. Esse é o ambiente em que ele vive há muito tempo.

Todo o resto escrito pelo general Villas Bôas sobre a França, no Twitter, é verdadeiro:

“Trata-se da mesma França que, de 1966 até 1996, a despeito dos reclamos mundiais, realizou 193 testes nucleares na Polinésia Francesa, expondo o Taiti, ilha mais povoada da região, a índices de radiação 500 vezes maiores que o máximo recomendado por agências internacionais.

“Segundo uma reportagem do UOL Notícias, datada de 11/03/2015, uma equipe de médicos franceses calculou, no ano de 2006, que os casos de câncer aumentaram nas ilhas da região por conta daqueles testes nucleares que atingiram os próprios cidadãos franceses.

“Os desabitados atóis de Mururoa e Fangataufa escondem, até hoje, 3.200 toneladas de material radioativo de diferentes tipos, produto das explosões nucleares do exército francês, o mesmo que Macron usa para nos ameaçar.”

Mas isso não apaga o fato de que, quando o presidente francês, em nota oficial, chamou Bolsonaro de mentiroso, estava com toda razão. É uma vergonha, para nós, que tal elemento esteja na Presidência da República.

Temos certeza que o general Villas Bôas pressente tal coisa. É interessante que ele próprio não tenha colocado Bolsonaro como um suposto ponto de coesão do país contra a França ou contra Macron:

“A questão ultrapassa os limites do aceitável na dinâmica das relações internacionais. É hora do Brasil e dos brasileiros se posicionarem firmemente diante dessas ameaças, pois é o nosso futuro, como nação, que está em jogo.

“Vamos nos unir em torno daqueles que têm procurado trazer à luz a verdade sobre essas questões ambientais e indigenistas.

“Me refiro ao Ministro Ricardo Sales, Aldo Rebelo, Evaristo de Miranda, Luiz Carlos Molion, Lourenço Carrasco, Denis Rosenfield, Professor Francisco Carlos, General Rocha Paiva, General Alberto Cardoso e o General Heleno.”

Na lista, está faltando, com justa razão, Bolsonaro, apesar deste ser presidente do país.

Porém, colocar um degenerado político e ideológico, como Ricardo Sales, no mesmo caldeirão que Aldo Rebelo – ou o general Rocha Paiva, insultado por Bolsonaro, no mesmo plano que um bajulador de Bolsonaro, como Augusto Heleno – simplesmente não é correto.

Sales, aliás, é apenas um office boy de Bolsonaro na área ambiental. Só isso e nada mais. No dia em que deixar de ser – se isso fosse possível – nada mais seria. Trata-se de um zero completo, se é que isso existe em matemática.

Mas, já que o general Villas Bôas citou Ho Chi Minh, encerraremos este artigo com outra frase do sábio comunista e nacionalista vietnamita:

“Os patriotas nunca viverão ociosos por conta da idade” (Ho Chi Minh, Carta aos Anciãos, 20/09/1945).

Temos certeza que o general concordará conosco – e, mais uma vez, com Ho Chi Minh.