Itália: por que os mercados não estão em pânico (ainda) 

Um país com uma das dívidas mais assustadoras do Planeta cai no caos político. E o “mercado” dá de ombros.

Por Jack Ewing e Amie Tsang, no The New York Times | Tradução e seleção de trechos: José Carlos Ruy

Salvini

À primeira vista, não faz sentido que o rendimento dos títulos italianos tenha caído depois que Matteo Salvini, líder da Liga, partido populista de direita, provocou o colapso do governo italiano na terça-feira (20). Investidores e economistas viram a Itália às portas de uma crise por causa de sua combinação tóxica de dívida do governo astronômica, política caótica e economia disfuncional. Um colapso político poderia afetar aqueles mais interessados em emprestar dinheiro à Itália.

Mas, pelo menos na quarta-feira (21), com o país ainda em alvoroço, continuaram a reduzir a taxa de juros dos títulos italianos, embora em apenas alguns centésimos de ponto percentual. Foi um sinal de confiança moderada. Os investidores parecem pensar que qualquer governo será melhor do que o que se desfez nesta semana – uma coalizão incompatível entre a Liga de Salvini e o Movimento Cinco Estrelas.

Alguns investidores podem apostar que o Movimento Cinco Estrelas irá se livrar dos partidários de Salvini e se juntar ao Partido Democrata, de centro-esquerda. No mínimo, o argumento seria menos provável que tal governo tirasse a Itália da zona do euro, voltando para a lira, a moeda nacional italiana.

Outros investidores podem estar apostando em novas eleições, e as pesquisas mostram que Salvini poderá vencer e formar um governo populista na retórica, mas – assim esperam os investidores – pró-negócios na política. Isso pode ser uma ilusão. “Muitas pessoas percebem que qualquer coisa é melhor do que o atual governo, mesmo liderado por um líder de extrema-direita”, diz Lorenzo Codogno, ex-diretor geral do Tesouro italiano e agora consultor independente.

Também é possível que os investidores estejam tão acostumados ao drama em Roma que simplesmente ignorem os eventos recentes como o último episódio do reality show de Salvini. Em vez disso, concentram-se na possibilidade de que o Banco Central Europeu (BCE) anuncie no próximo mês novas medidas de estímulo, pressionando ainda mais as taxas de juros, até mesmo para a dívida italiana.

“Esse tipo de incerteza e ruptura dos governos não é desconhecido para a Itália”, disse Maria Demertzis, vice-diretora do Bruegel, um instituto de Bruxelas. “Para começar, era um casamento difícil”, disse ela sobre a aliança que se desfez.

Por que alguém de fora da Itália deveria se preocupar com a política italiana? Em uma palavra, a dívida.

A dívida do governo italiano é de 134% do PIB do país, um dos maiores índices do mundo. Se os investidores perderem a confiança na capacidade do governo de pagar a dívida, terá efeito devastador no mercado financeiro global. “Um calote italiano seria um grande tsunami nos mercados financeiros”, disse Lucrezia Reichlin, professora de economia da London Business School.

A dívida seria um problema menor se a economia italiana estivesse crescendo, mas não está: o crescimento econômico no segundo trimestre deste ano foi zero. O atual governo agravou o problema da dívida e abalou ainda mais os mercados ao ameaçar aumentar o déficit, violando as regras da União Europeia.

Os bônus italianos de dez anos foram negociados a uma taxa de 1,33 % na quarta-feira (21), uma queda de 0,035 % em relação à terça-feira. O rendimento, baixo em termos históricos, não é exatamente um voto de confiança na Itália. O bônus do governo alemão comparável foi negociado na quarta-feira a -0,67%. Isto é, a uma taxa negativa. Os investidores estão, de fato, pagando ao governo alemão para manter seu dinheiro seguro, mas exigem um prêmio pela dívida italiana, onde o risco é maior.

Os títulos do governo servem como referência para empréstimos bancários. Isso significa que os consumidores e as empresas italianas são forçados a pagar mais por um empréstimo do que pessoas ou empresas na Alemanha ou na França. Com a recessão se aproximando, o governo não pode aumentar os gastos sem alarmar ainda mais os mercados financeiros. “Temos muito pouco espaço fiscal para estimular a economia”, disse Reichlin.

O Movimento das Cinco Estrelas e o Partido Democrata têm sido rivais, e é difícil acreditar que sua coalizão seria menos controversa do que o governo que acabou de se dissolver. Se o Movimento Cinco Estrelas e o Partido Democrático não conseguirem reunir uma maioria parlamentar nos próximos dias, haverá nova eleição no final do ano, e as pesquisas mostram que Salvini poderia obter o maior número de votos e formar uma coalizão com partidos conservadores menores.

Alguns investidores poderão considerar favoravelmente um governo Salvini, alegando que poderia ser mais estável. Salvini tem o apoio de alguns segmentos da indústria italiana, que esperam dele um eventual governo favorável aos negócios.

Salvini é popular o suficiente para que seu partido até ganhe uma maioria absoluta no Parlamento, eliminando a necessidade de se comprometer com parceiros de coalizão mais moderados.

O histórico de Salvini sugere que, assim liberado, voltaria à retórica anti-imigrante e anti-Bruxelas que, no passado, o tornou popular. Em vez de abordar os problemas subjacentes da Itália, tentaria estimular a economia assumindo ainda mais dívidas, disse Nicola Nobile, economista-chefe da Oxford Economics.

Se Salvini chegar ao poder, diz ele, “acho que seguirá em uma política fiscal expansionista estilo Trump. Ele acredita basicamente que, se cortar impostos, o crescimento econômico será forte o suficiente para pagar esses cortes por si mesmos, o que sabemos, como economistas, que não é verdade”.