Marina Trevisan: Com cortes, Brasil importará tecnologia para tudo 

Os cortes de verbas destinados às universidades federais promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) afetam a produção de pesquisa científica no País. Frente a esse cenário, o Brasil pode acabar se tornando apenas um importador de tecnologias de outros países, deixando de ser produtor e de potencializar seu desenvolvimento científico. O alerta é de Marina Trevisan, professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em entrevista ao site Sul21.

A professora Marina Trevisan, da UFRGS, foi uma das vencedoras do prêmio nacional Para Mulheres na Ciência

Marina é uma das sete cientistas vencedoras do prêmio nacional Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal Brasil, em parceria com a Unesco Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ela conta que, apesar de gostar de ciência desde criança, optou por Engenharia Elétrica apenas ao ter de decidir o que cursaria no vestibular. Durante a graduação na Universidade de São Paulo (USP), campus São Carlos, redescobriu a paixão pela astronomia e decidiu que terminaria o curso, mas não seria engenheira. “Continuei o curso de Engenharia Elétrica e comecei a estudar astronomia por conta, tentando pegar disciplinas na Física”, relembra.

Em 2005, quando começou um mestrado em Astrofísica pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Marina passou a estudar formalmente, entre diversos temas, galáxias, astronomia extragaláctica e astrofísica estelar. Atualmente, é professora da UFRGS e chefe substituta do Departamento de Astrofísica da universidade.

Intitulada “A Sobrevivência das Galáxias ao Longo da Teia Cósmica’, a pesquisa da cientista que foi contemplada pelo prêmio ‘Para Mulheres na Ciência’ estuda se o ambiente de uma galáxia pode afetar seus processos de evolução. “Hoje, a gente observa as galáxias do jeito que elas são. Mas um dia elas começaram a se formar – e houve todo um processo no meio do caminho para deixá-las do jeito que elas são hoje”, explica Marina. Além do reconhecimento, a premiação contemplou a pesquisa com uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil para que a pesquisadora possa investir em seu estudo.

Segundo Marina, a premiação é uma iniciativa que dá mais visibilidade às mulheres cientistas. “Ao longo da história, as mulheres não foram incentivadas a serem cientistas. Isso foi um problema e talvez por isso houve um déficit de mulheres na ciência”, afirma. Mas, para a pesquisadora, hoje há um movimento que busca mudar esse cenário. “Por isso é tão importante a questão da representatividade. Quando uma menina que está no ensino médio vê uma cientista, ela pensa ‘eu posso ser também’. Então, quanto mais mulheres tem na ciência hoje, mais mulheres serão cientistas no futuro.”

O tipo de estudo que Marina desenvolve é chamado de pesquisa básica – ou seja, são pesquisas que não têm impacto imediato nas sociedades, mas que ajudam no aumento do conhecimento de determinados temas. Conforme a pesquisadora, a tecnologia utilizada nos estudos pode ser adaptada para outras necessidades das pessoas. “Tem muitos softwares que a gente usa para analisar imagens de galáxias que agora foram adaptados para analisar imagens de tecido humano. Essa tecnologia permite que seja possível detectar câncer.”

Confira sua entrevista:

Sul21: Como você começou a se interessar pela ciência?
Marina: Gosto de ciência desde pequena, mas, quando fui fazer vestibular, acabei escolhendo um curso mais seguro. Fui fazer Engenharia Elétrica. No meio da minha graduação, eu já gostava de astronomia e acabei começando a me envolver mais. Vi que era realmente aquilo ali que queria fazer. Continuei o curso de Engenharia Elétrica e comecei a estudar astronomia por conta, tentando pegar disciplina na Física. Terminei o curso de Engenharia em 2004 sabendo que não seria engenheira. Então, comecei o mestrado em Astrofísica no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 2005.

Sul21: Você mencionou que desde pequena gostava de ciência. O que te chamava a atenção nessa área?
Marina: Sempre fui muito curiosa, sempre gostei muito de entender as coisas. Quando criança, gostava muito de biologia, acreditava que ia ser bióloga. Depois, cheguei a cogitar fazer astronomia na graduação, mas acabei fazendo engenharia. Acabei voltando para a astronomia, não teve jeito.

Sul21: Suas pesquisas são desenvolvidas em astronomia extragaláctica, populações estelares e astrofísica estelar. O que te motivou a escolher estudar esses temas?
Marina: Já atuei em algumas áreas. No meu mestrado, trabalhei com radiação cósmica de fundo. Radiação cósmica é tipo uma luz que vem de um universo muito antigo. No doutorado, comecei a trabalhar com estrelas da nossa galáxia, mas estava acostumada a estudar com outras galáxias também, a estudar extragaláctica, que é tudo que está fora da nossa galáxia. No meio do meu doutorado, comecei a trabalhar com galáxias e estrelas em outras galáxias

Sul21: Você pesquisa temas que normalmente não estão no cotidiano das pessoas. Qual a importância de pesquisas que abordem tais assuntos?
Marina: As áreas que estudo são o que a gente chama de pesquisa básica, que são pesquisas que não têm uma aplicação direta no cotidiano. Mas a humanidade evoluiu muito fazendo pesquisa básica e hoje conhecemos sobre o que nós somos e sobre o nosso universo por causa de pesquisas básicas. Ainda que essas pesquisas não sejam aplicadas diretamente no cotidiano, a tecnologia que desenvolvemos para elas são úteis para as pessoas. Por exemplo, tem muitos softwares que a gente usa para analisar imagens de galáxias que agora foram adaptados para analisar imagens de tecido humano. Essa tecnologia permite que seja possível detectar câncer.

Sul21: Você poderia explicar mais sobre a sua pesquisa sobre a evolução de galáxias que foi reconhecida pelo prêmio “Para Mulheres na Ciência”?
Marina: Basicamente, hoje a gente observa as galáxias do jeito que elas são, mas um dia elas começaram a se formar e houve todo um processo no meio do caminho para deixá-las do jeito que são hoje. E esse processo envolve tudo que acontece dentro ou fora delas. O projeto que submeti pra L’Oréal é voltado para tentar entender como o ambiente de uma galáxia as afeta, porque elas não evoluem sozinhas, estão em estruturas maiores. Há gases girando em torno delas. Meu projeto tenta entender o processo de evolução dessas galáxias.

Sul21: Qual a importância desse prêmio?
Marina: Fui classificada na versão nacional, que é a versão para jovem cientista. Nessa versão, o prêmio só é concedido para quem terminou o doutorado há menos de sete anos. E esse prêmio é importante em dois aspectos. O primeiro é o reconhecimento do trabalho. Em qualquer profissão, qualquer pessoa gosta de ver seu trabalho reconhecido. Então, é uma satisfação muito grande ver o reconhecimento desse trabalho, ainda mais vivendo em um período em que a ciência no Brasil está atravessando um momento muito complicado, com cortes de verbas por todos os lados. O segundo ponto é que esse recurso que está vindo com o prêmio chegou em uma hora certíssima. Com ele, vou poder ajudar alunos cujas pesquisas eu oriento, vou poder comprar coisas para o laboratório. É um momento em que estão cortando verbas para pesquisa – então é muito importante ter esse dinheiro agora.

Sul21: Além do reconhecimento, a premiação também inclui um montante em dinheiro, não?
Marina: Sim! Ganho R$ 50 mil para gastar com coisas relacionadas à minha pesquisa, como material, equipamentos para o laboratório, computadores.

Sul21: Você mencionou a questão dos cortes de verbas destinados à pesquisa científica no Brasil. Os contingenciamentos que temos observado nos últimos meses afetaram as universidades e institutos federais e também agências de fomento à pesquisa, como CNPq e Capes. Quais os impactos que a falta de investimentos e a desvalorização de pesquisas científicas podem ter na sociedade?
Marina: É bem grave. Não há país desenvolvido que não tenha investido pesadamente em ciência, em desenvolvimento científico e em pesquisa. O corte de verbas vai causar um atraso muito grande no Brasil. Vamos ter de comprar tecnologia para tudo de fora. Isso é muito grave e muito sério. Minha pesquisa não tem aplicação direta na sociedade, mas, como mencionei antes, muito da tecnologia das pesquisas básicas é revertido para as pessoas. É fundamental investir em ciência porque um país desenvolvido tem de investir em desenvolvimento, em tecnologia. Sem tecnologia, a economia não vai para frente, os países começam a comprar de outros. Se não vamos produzir tecnologia e ciência, vamos produzir o quê? Só recurso agrário? Tecnologia é o que mais dá dinheiro. As economias que mais lucram no mundo hoje são de tecnologia. Nosso país vai ficar muito para trás.

Sul21: O que faz com que tantas pessoas no Brasil não se importem com as pesquisas científicas ou com os cortes de verbas para essas áreas? Há uma falta de conhecimento a respeito do que é feito dentro das universidades?
Marina: Acredito que sim. Há uma falha na comunicação entre a sociedade e os pesquisadores que gera essa falta de conhecimento. Mas, aqui no departamento, estamos cada vez mais investindo nisso. Temos um programa de divulgação em que fazemos o trabalho de levar até a sociedade o que fazemos aqui, levar o conhecimento que produzimos. Talvez hoje essa comunicação seja falha e precisamos investir nela. E talvez seja por isso que acontecem tantos ataques. Não sabem o que fazemos e não sabem quão fundamental é o que fazemos como pesquisadores.

Sul21: Nos últimos tempos, é possível perceber mulheres ganhando visibilidade dentro da ciência, um ambiente que durante anos foi majoritariamente masculino. Quando foi divulgada a primeira imagem do buraco negro, o nome de uma das cientistas responsáveis pelo feito se tornou mundialmente conhecido. Como você enxerga a presença de mulheres dentro da ciência atualmente?
Marina: A presença das mulheres está aumentando e se criou a consciência de que, ao longo da história, as mulheres não foram incentivadas a serem cientistas. Isso foi um problema – e talvez por isso houve um déficit de mulheres dentro da ciência. Mas hoje isso já se leva como um problema a ser resolvido. É incentivando mulheres a serem cientistas que vamos consertar isso. Há hoje todo um movimento para tentar mudar esse cenário e por isso é tão importante a questão da representatividade. Quando uma menina que está no ensino médio vê uma cientista, ela pensa “eu posso ser também”. Então, quanto mais mulheres houver na ciência hoje, mais mulheres serão cientistas no futuro.