Chico Lopes chega aos 80 anos celebrando a luta por outra sociedade

 

Chico Lopes chega aos 80 anos
Ex-deputado federal por três mandatos pelo Ceará, destacando-se na defesa dos trabalhadores e entrando para a história com seu irônico voto contra o golpe dado pelos "bons pais, bons maridos" contra a ex-presidente Dilma, Chico Lopes completa nesta terça-feira, 13/8, 80 anos. Uma vida dedicada à luta pela construção de uma outra sociedade, com menos desigualdades, mais justiça social. A comemoração em Fortaleza acontece no Cantinho Acadêmico Bar, no tradicional bairro do Benfica, a partir das 19h, reunindo amigos e colegas de militância.
 
Francisco Lopes da Silva, Chico Lopes, teresinense de nascimento mas cearense desde a primeira infância, é o filho de Francisca Lopes da Silva, a "Dona Chiquinha", moradora da famosa rua Braga Torres (atual bairro Pirambu, ao mesmo tempo "periferia" e beira-mar de Fortaleza), lavadeira de roupas em "casa de família". Com ela, conta, aprendeu uma das três coisas mais importantes na vida: a honestidade – de ações e princípios.
 
"Se aparecesse um dia com uma coisa nova, ela logo perguntava como é que consegui. Acompanhava todo dia assim. Mesmo com a maior dificuldade na vida, tinha o maior gosto em criar um menino correto, do qual ninguém tivesse nada que reclamar. Gostava de me arrumar dia de domingo, com uma roupa boa. Era o maior orgulho dela", conta Chico Lopes, que desde a infância trabalhou em inúmeros afazeres. Menino de recado, ajudante nas mesmas casas de gente abastada em que a mãe trabalhou, entregador de jornal, jornaleiro, vendedor do açúcar Pimentel – "mais doce do que mel".
 
*O professor de "meia Fortaleza"*
 
Acostumado desde cedo ao batente (e mesmo assim radicalmente contra o trabalho infantil), Chico Lopes se tornou servidor da Prefeitura de Fortaleza, ainda adolescente. Mesmo em um contexto de tantos desafios, descobriu o segundo elemento que marcaria sua trajetória: o amor pela educação. Foi nesse caminho que conseguiu estudar e, vejam só, que conquista para o filho de Dona Chiquinha, se tornar professor. O professor Chico Lopes, conhecido por todos, que deu aula a "meia Fortaleza". 
 
Muito mais tarde, nas caminhadas nos bairros de Fortaleza nas campanhas eleitorais, as décadas de trabalho seguiriam ecoando: "O senhor foi meu professor". "Meu pai foi aluno do senhor". "Uma tia minha foi aluna sua". Quem diria que o menino que tanto teve de lutar para poder estudar se tornaria o deputado federal autor da emenda que garantiu aos professores e professoras de todo o Brasil o direito a 1/3 da jornada de trabalho extrassala? Uma conquista histórica da qualidade na educação, viabilizada por meio de emenda de Chico Lopes à lei do piso salarial do magistério – outro objetivo pelo qual ele lutou durante toda a vida e que se tornou realidade nos anos de governo Lula/Dilma.
 
*A coragem de se indignar*
 
Mas foi ainda antes da carreira no magistério, como servidor do Município de Fortaleza, que Chico Lopes percebeu o terceiro elemento que marcaria toda a sua trajetória, agora de 80 anos. A capacidade de se indignar com as injustiças do mundo e a necessidade de lutar para combatê-las. Com essa consciência política, engajou-se nas lutas dos servidores municipais. A coragem e a atuação lhe valeram a primeira grande represália: respondeu a processo e foi chamado para "esclarecimentos".
 
Em pleno 1968, ano do Ato Institucional No. 5 que aprofundou o golpe de quatro anos anteriores e abriu caminho para institucionalizar tortura e assassinatos como política de Estado no Brasil, Chico Lopes entra para o PCdoB. O partido, já na clandestinidade , é a grande escola de formação do jovem militante cearense, que enfrentou ameaças, prisão e tortura – na "casa do terror", na Região Metropolitana de Fortaleza. Sobreviveu, viu, lutou e venceu. Engajou-se na campanha pela Anistia, nas Diretas Já, no alvorecer da redemocratização do País em 1985, na luta contra a carestia, na campanha para vereador de Fortaleza que lhe renderia seu primeiro mandato, em 1982, pelo PMDB – legenda que acolheu os candidatos do ainda clandestino PCdoB.
 
Como vereador de Fortaleza, foi pioneiro ao pautar o tema dos direitos consumeristas, criando o Balcão do Consumidor. Lutou contra as taxas do lixo e de iluminação pública e em favor da meia passagem estudantil, bem como por mais atenção da Prefeitura ao povo dos bairros que mais dela necessitavam. Compartilhou inúmeras batalhas na Câmara Municipal, falando a língua do povo, nem aí para as eventuais críticas de quem usava a forma de falar como instrumento para tentar descredenciar a presença de um professor, operário e comunista, no Legislativo Municipal.
 
*Meia passagem macrorregional*
 
Após três mandatos como vereador, foi eleito deputado estadual, tendo papel decisivo nas denúncias que geraram a CPI do BEC e, se não redundaram em prisão de grandes empresários cearenses que se beneficiaram com dinheiro do Banco do Estado do Ceará em condições extremamente vantajosas, expuseram a preferência então dada pelo governador tucano Tasso Jereissati a esses amigos e amigos de amigos. Nada mais capitalista que um (grande) capitalista no poder. Lopes também fez a resistência ao desmonte do Estado brasileiro, promovido nos anos FHC, com a venda da Vale e das telefônicas a preço de banana e as malsucedidas tentativas de entregar a Petrobras e o Banco do Brasil.
 
Como deputado estadual, Chico Lopes seguiu defendendo os consumidores, colaborando com a criação do Procon Assembleia. Também foi pioneiro em outro importante tema, ao aprovar a lei que criou a Semana Estadual de Combate à Violência contra a Mulher. E foi aclamado por milhares de estudantes ao conseguir, ao fim de uma longa batalha, aprovar a lei da meia passagem estudantil macrorregional, possibilitando que estudantes passassem a se deslocar de um município para outro pagando meia passagem. Caminho para a continuidade dos estudos, de importância tão conhecida pelo próprio Lopes.
 
*O federal do povo: 150 mil votos*
 
Vieram o ano de 2006 e o desafio de se alçar voos mais altos, em um mandato de deputado federal. Concorrendo em condições extremamente adversas, Chico Lopes só seria eleito se conseguisse conquistar, sozinho, o número de votos do coeficiente eleitoral. Fez então um apelo, nos programas do horário eleitoral em rádio e TV: "Preciso de 150 mil votos". Pediu e conquistou. O povo cearense o elegeu o segundo deputado federal mais votado, com mais de 162 mil votos. Emoção sem medida! 
 
Falando a língua do povo na Câmara Federal, Chico Lopes ajudou nas conquistas dos governos Lula e Dilma, para áreas como a educação, a moradia, a política de aumento real do salário mínimo, a ascensão social de mais de 40 milhões de brasileiros, na grande luta contra a fome e a miséria, por um País menos desigual. 
 
Conseguiu a regulamentação e a padronização das tarifas bancárias (facilitando a vida do consumidor ao escolher entre diferentes bancos), lutou contra a cobrança de "roaming" na telefonia celular e pelo ressarcimento dos consumidores de energia elétrica, diante de uma bilionária cobrança indevida. Foi autor da emenda à lei do FIES que garantiu direito a financiar 100% de curso universitário, ampliando o acesso do jovem à universidade pública.
 
Denunciando e lutando contra o golpe parlamentar que retiraria do poder uma presidenta democraticamente eleita e lançaria o Brasil nas águas que desembocariam na atual extrema direita, Chico Lopes entrou para a história com seu voto na sessão daquele domingo, abril de 2016: "Eu pensei que vinha para uma reunião política. Mas vim foi pra reunião dos bons pais, bons maridos", declarou, denunciando a hipocrisia dos que votavam para derrubar Dilma, mesmo sabendo que ela não cometera crime de responsabilidade. "Eu digo NÃO, senhor presidente! Não ao golpe! Não à ditadura desses cabras". 
 
*80 anos: luta que se renova, no momento mais necessário*
 
Concluído seu terceiro mandato de deputado federal, Chico Lopes chega aos 80 anos como todo brasileiro consciente da imensa gravidade do atual momento: lutando em defesa da democracia, dos princípios básicos de dignidade e civilização, contra o fascismo, o terror, o medo, a barbárie veiculadas em novas "declarações" do ocupante do Palácio do Planalto. Absurdos e disparates veiculados propositadamente várias vezes ao dia, todos os dias, para chocar e ocupar o noticiário e as redes sociais, desviando a atenção do verdadeiro propósito desse "desgoverno": retirar mais e mais direitos das pessoas. 
 
Chico Lopes segue na luta contra a "deforma" da Previdência e pelo retorno do Brasil à lista dos países democráticos. Pela resistência à mentira, ao cinismo, ao terror e à desfaçatez. Pela construção de um novo projeto popular e progressista para o País, em que os brasileiros possam reconquistar os direitos ora retirados, melhorar de vida, olhar para o hoje e o amanhã com mais esperança e menos desencanto. Se é este o pior momento da história do Brasil desde os duros tempos da ditadura civil-militar, é justamente agora que precisamos lutar com mais força, afinco, coragem, consciência e determinação. Chico Lopes, 80 anos, está nessa luta. Como o mesmo destemor da juventude. Com a mesma atitude solidária com quem mais precisa. Como se fosse no primeiro dia.