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Em novo livro, Martinho da Vila discute Marielle, Lula e Bolsonaro 

2018 foi um ano diferente. Foi o ano em que Martinho da Vila completou 80 anos. Ele ri ao brincar com o que considera uma das maiores novidades do ano passado, quando, ainda em janeiro, resolveu que registraria em crônicas um ano que prometia ser afetivamente e profissionalmente agitado. A ideia vingou, tanto que virou o livro 2018 – Crônicas de um Ano Atípico, publicado pela Kapulana.

Por Rodrigo Casarin

Martinho da Vila e Lula

Como sabemos, 2018, no entanto, nos reservava particularidades muito mais sérias do que as oito décadas de vida do escritor famoso principalmente pela sua carreira como compositor e intérprete. “A criação começa de um jeito e acaba tomando outro caminho. Foi mesmo um ano diferente”, comenta no papo que tivemos no final da tarde desta quinta, pouco antes de sua mesa na Flipelô, a Festa Literária Internacional do Pelourinho, que neste ano chega à terceira edição.

Se a ideia de Martinho era falar sobre shows, pescarias frustradas e amenidades cotidianas, logo estava vendo as manchetes de jornais e invariavelmente escrevendo sobre política. Estão no livro a dor com a morte de Marielle Franco, a indignação com a prisão de Lula, a incredulidade com a ascensão de Jair Bolsonaro, o horror ao ver os direitos humanos sendo colocados na berlinda, achincalhados…

Em Um Grande Sonho, por exemplo, crônica que fecha o mês de outubro – marcado pela eleição do nosso atual presidente –, Martinho elenca uma série de despautérios disparados por Bolsonaro sobre temas como estupro e prostituição e contra negros – “afrodescendente mais leve lá [num quilombo] pesava sete arrobas” – e, dentre outros, LGBTs – “se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”. O texto é finalizado com o autor evocando Lula: “O ex-Presidente vai ser uma peça importante no Governo Bolsonaro, sem ocupar nenhum Ministério. Com o Lula em liberdade a nossa Democracia restituirá o conceito internacional, os brasileiros vão se unir e voltarão a sorrir como nos primeiros 15 anos deste século. É um sonho”.

Reconhecido pela alegria, pela voz mansa e pelo sorriso fácil, o autor considera que entre 2000 e 2010 foi a época em que viu o brasileiro mais feliz. “Foi muito legal. O Brasil se projetou no mundo, tínhamos um prestígio internacional muito grande. Tinha muita festa, alegria… Isso mudou muito, principalmente no Rio de Janeiro. Hoje às 23h30, meia-noite, já está tudo fechado, tem um monte de gente morando na rua, o centro parece o ‘Walking Dead’”, diz na entrevista.

O sonho de Martinho, no entanto, já é diferente daquele que registrou na crônica de outubro do ano passado. O que gostaria, agora, é de ver Lula com a dignidade restituída e servindo como exemplo, mas longe da política. “Hoje penso o contrário. Gostaria de ver o Lula solto, claro, ele é um preso político. Mas gostaria de vê-lo fora da política, como uma referência. Se ele se afastasse da política, quem bate nele por discordar politicamente passaria a encará-lo de outra forma”.

Apesar de ter um escrito um livro fortemente marcado pelas suas impressões relacionadas à política, não é fácil conversar com Martinho sobre o tema. Ele enviesa, desliza, apalpa as questões e personagens, mas não aperta. Sorri, desconversa… Em determinando momento, pede: “Papo chato, vamos mudar de assunto”. Antes disso, tinha se esquivado de perguntas sobre Bolsonaro:

“Não sou um crítico. Sou um cara que cria, que faz, não julgo. Temos que ter esperança sempre. Sou um cara otimista. As mudanças sempre foram feitas pelos otimistas. O pessimista não faz nada. É o otimista que corre atrás”. Em outro momento, ao comentar sambas de enredo politizados (como o da Mangueira deste ano, sobre personagens esquecidos pela história oficial) e ser perguntado se poderia fazer algo do tipo em sua Vila Isabel, contorna: “Não faço crítica, faço arte”.