Krugman: A China e o programa oculto de Trump

O programa oculto do presidente, hoje na casa US$ 40 bilhões por ano, é provavelmente a maior doação a outros países desde o Plano Marshall.

Por Paul Krugman

trump triste

Muitas vezes o presidente Trump reclama que a imprensa não dá a ele o crédito devido por suas conquistas. E eu consigo pensar em pelo menos um caso em que isso é verdade. Até onde eu sei, quase ninguém está noticiando que ele tem comandado um grande aumento – ainda que oculto – no auxílio ao exterior, o dinheiro que a América dá aos estrangeiros. De fato, o programa oculto de Trump, hoje na casa dos cerca de US$ 40 bilhões por ano, é provavelmente a maior doação a outros países desde o Plano Marshall.

Pena que o auxílio não esteja indo para países pobres ou para os aliados dos EUA. Em vez disso, o dinheiro está indo para investidores ricos no exterior.

Antes de eu chegar a esse ponto, vamos tratar por um segundo de uma declaração que Trump costuma fazer sobre uma parte altamente visível da estratégia econômica dele, as tarifas que ele vem impondo sobre as importações da China e de outros países. Essas tarifas, Trump tem insistido em mais de uma ocasião, estão sendo pagas pela China e representam bilhões de lucro para os Estados Unidos.

Esta afirmação, porém, é comprovadamente falsa. Em geral, as taxas são pagas pelos consumidores do países importador, e não dos exportadores. Além disso, é possível confirmar que é isso o que vem acontecendo com as tarifas de Trump: Os preços das mercadorias sujeitas a essas taxas estão aumentando de um modo acentuado, quase acompanhando a alta das tarifas, enquanto os preços das mercadorias que não estão sujeitas às novas cobranças não têm subido.

Ou seja, as tarifas de Trump não são uma taxa para estrangeiros, não importa o que ele possa pensar. Por outro lado, as outras políticas econômicas de Trump têm proporcionando a alguns estrangeiros um enorme alívio fiscal.

Vale lembrar, o único grande feito legislativo de Trump até agora foi a Lei dos Empregos e Corte de Impostos de 2017. O ponto principal daquela proposta de lei era uma redução acentuada dos impostos sobre as sociedades, o que tem causado uma queda drástica nas receitas com impostos, na casa dos US$ 140 bilhões no ano passado.

Quem ganha com esse corte de impostos? Defensores da lei afirmaram que os benefícios seriam repassados aos trabalhadores na forma de salários maiores, e eles também fizeram um enorme estardalhaço no início de 2018 quando houve uma enxurrada de anúncios de bônus para empresas. Mas aqueles bônus não foram tão grandes assim, na realidade, e não continuaram.

De fato, a essa altura do campeonato está claro que a alta nos bônus, do jeito que foi feita, era uma manobra de evasão fiscal: Ao promover pagamentos que iriam fazer de qualquer forma, as empresas conseguiram reduzir gastos que teriam com a taxa antiga, e maior, de impostos. Agora que essa opção já expirou, os bônus voltaram a cair para seu nível normal, ou até mesmo para um pouco menos.

E quanto ao argumento de que os cortes de impostos promoveriam um enorme inchaço nos investimentos das empresas, o que por sua vez empurraria os salários para cima? Bem, isso também não vem acontecendo; quando se trata de investimentos das empresas, o corte de impostos foi muito barulho por nada.

Assim, quem está se beneficiando do corte de impostos? Basicamente, os shareholders, que estão recebendo dividendos maiores e vendo muitos ganhos de capital à medida que as empresas usam o respiro tributário não para investir, mas para recomprar suas próprias ações.

E uma grande parte desses ganhos de shareholders tem ido para acionistas no exterior.

Nós vivemos, afinal de contas, em uma era de finanças globalizadas, em que investidores ricos normalmente têm ativos em vários países. Os americanos têm trilhões em participações de estrangeiros, seja diretamente, na forma de títulos estrangeiros, ou indiretamente, na forma de ações de empresas americanas com filiais no exterior. Os estrangeiros, de modo semelhante, apostam alto nos Estados Unidos – de novo, seja por meio da posse de ações diretas ou por meio de operações de suas empresas subsidiárias.

Ao todo, os estrangeiros detêm cerca de 35% de capital próprio em empresas sujeitas a taxas dos Estados Unidos. Como resultado, os investidores no exterior têm recebido cerca de 35% dos benefícios do corte de impostos. Como eu disse, isso é mais de US$ 40 bilhões por ano.

Para colocar esse número em perspectiva, as tarifas de Trump sobre a China arrecadaram até agora US$ 20 bilhões. Mesmo que a China estivesse pagando essas taxas – coisa que não está acontecendo -, isso ainda seria muito menos do que o presente que ele está dando aos investidores no exterior.

Outra opção é compararmos o presente de Trump para os investidores estrangeiros com nosso gasto real em ajuda ao exterior (que é muito menor do que a maioria das pessoas imagina). Em 2017, os Estados Unidos gastaram US$ 51 bilhões em “relações exteriores”, mas grande parte disso era para cobrir os gastos de embaixadas ou para assistência militar. O alívio fiscal de Trump para os investidores é consideravelmente maior que o volume total gasto pelo país com ajuda ao exterior propriamente dita.

Claro que a economia americana é grande de um jeito quase inimaginável, gerando mais de US$ 20 trilhões em bens e serviços todo ano. Nós também somos um país que os investidores confiam que vá honrar suas dívidas, de modo que o corte de impostos, por mais irresponsável que seja, não vai causar nenhum estresse fiscal imediato.

Ou seja, a doação de Trump aos investidores no exterior não vai nos tornar melhores ou piores, embora provavelmente seja o bastante para assegurar que o corte de impostos promoverá, em linhas gerais, um corte geral no crescimento econômico líquido: Ainda que o corte de impostos tenha algum efeito positivo na receita total gerada nos Estados Unidos (o que é duvidoso), é provável que ele seja mais do que compensado pela parcela maior desta receita que irá para os estrangeiros em vez de para os cidadãos americanos.

Ainda assim, mesmo na América, US$ 40 bilhões aqui, US$ 40 bilhões ali, em alguma uma hora você vai estar falando de dinheiro de verdade. Além disso, ao que parece vale destacar que, ao mesmo tempo que Trump se gaba de tirar dinheiro de estrangeiros, na prática as políticas dele estão fazendo exatamente o contrário.