Os bancos e seus lucros escandalosos

Há um paradoxo na economia brasileira. Enquanto os principais indicadores apontam para baixo, o do lucro dos bancos se mantém em alta.

Por Osvaldo Bertolino

As notícias dão conta de que Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander tiveram lucro 20% maior no semestre. Em 2018, o lucro dos bancos alcançou o valor recorde para o plano Real de R$ 98,5 bilhões. “É o maior lucro nominal da história. Hoje o patrimônio do sistema financeiro está em R$ 800 bilhões. Esse crescimento do lucro está mais relacionado com a redução das despesas de provisão”, disse o diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Paulo Souza.

A redução principal se dá com o enxugamento do quadro de pessoal, fechando agências. Segundo o Sindicato dos Bancários e Funcionários de São Paulo, Osasco e Região, das quatro das maiores instituições, apenas o Santander aumentou o número de agências: 28. O Itaú fechou 60 agências físicas e abriu 35 digitais, que agora somam 195. O Bradesco fechou 114 unidades e o BB, 31. Quanto ao emprego, o comportamento não foi uniforme: o Itaú, por exemplo, tem saldo de 361 vagas em 12 meses, mas fechou 597 postos de trabalho no trimestre. O Santander perdeu 623 vagas. O Bradesco abriu 1.563 – segundo a subseção, devido a contratações na área de negócios – e o BB cortou 1.414.

Senso comum

Outro motivo relevante é o spread bancário — a diferença entre os juros que os bancos pagam quando pegam o dinheiro e os juros que cobram quando emprestam. Entram na conta, também, prestação de serviços e tarifas bancárias, que engloba desde alguns itens que não têm custo para o cliente, como abertura de conta e saque, até os demais como financiamento de automóveis e casa, câmbio de moedas internacionais e investimentos, como CDB, LCs e previdência privada, além de tarifas para manutenção de conta, DOCs e outros serviços que correspondem a 20% do lucro dos bancos.

São dados que justificam o senso comum, a ideia de que basta uma placa com os dizeres “aqui é um banco” para chover dinheiro. Na verdade, o setor bancário tem altos segredos — por isso, não é possível entender tudo o que se passa em suas entranhas. “É de especial importância que ninguém se desconcerte com o fraudulento ar de mistério que cerca todas as questões relacionadas a bancos e dinheiro”, disse certa vez o conceituado economista John Kenneth Galbraith.

O Brasil, o setor tem um conhecido histórico de escândalo. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o senador José Sarney (PMDB-AC) chegou a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o sistema financeiro. Mas sua iniciativa esbarrou na firme decisão do Palácio do Planalto de impedir que ela fosse instalada. O país havia passado por uma sucessão de crimes bancários — até hoje não esclarecidos.

Não aconteceu, por exemplo, com os envolvidos nos casos que se arrastam desde o começo dos anos 1980, como os do Comind, do Auxiliar, do Maisonnave e do Sulbrasileiro. Assim como não se sabe a origem e o destino dos mais de US$ 20 bilhões que o governo FHC liberou ao Proer, salvando bancos envolvidos em negociatas, um procedimento coberto de ignomínia do berço à cova.

Banqueiros riquíssimos

Um exemplo escandaloso é o do Nacional. Os responsáveis pelo banco — entre eles uma nora de FHC — divulgaram seguidos atestados falsificados de saúde de uma instituição que na verdade estava mortinha havia dez anos. Faz muito tempo que no Brasil qualquer pessoa com algum conhecimento do setor sabe que entre as muitas maneiras de aferir o estado de um banco não consta, decididamente, o exame do balanço.

Os números grandiosos solenemente empilhados acima da assinatura de circunspectos banqueiros e com a rubrica de bem pagos auditores têm mentiram compulsivamente. Este e outros bancos montaram balanços escandalosamente fajutos, um gangsterismo contábil fartamente noticiado à época. Foi assim que se criou, no Brasil, a categoria de banqueiros riquíssimos que deixaram para trás um rastro de bancos quebrados.

O setor também é conhecido pela capacidade de tirar proveitos das crises. Mesmo com a moeda nacional sofrendo uma forte desvalorização na época da hiperinflação — e em boa parte por conta disso —, os agentes financeiros encontraram no chamado “floating” (mercado financeiro) uma forma de alcançar grandes lucros. Com a “estabilidade”, o mecanismo foi aperfeiçoado.

A Selic — taxa que remunera cerca de 50% dos títulos públicos —, do Banco Central (BC), funciona como um juroduto para os bancos. Além disso, o juro médio bancário brasileiro é o maior do mundo, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mundo fictício

No chamado Primeiro Mundo os escândalos bancários também são de arrepiar os cabelos. Existem dados indicando que nos Estados Unidos, por exemplo, as operações de fusões e aquisições de empresas do início dos anos 1990 para cá atingiram cerca de US$ 500 bilhões, o que significa um novo recorde histórico. O setor financeiro, verdadeiro centro de gravidade do sistema capitalista atual, foi o que registrou maior número de fusões, respondendo por 20% do valor das operações, seguido pelos setores de telecomunicações e de informática.

Em todos os lugares, essa onda de fusões é explicada como uma busca desenfreada dos trustes por melhores posições relativas no mercado por meio da redução de custos (sobretudo pelo corte de funcionários) e por aumento do seu poder de interferência nas operações financeiras globais. Mas há também uma manobra, com apoio das autoridades, visando a criação de uma espécie de instituição “salva-vidas” no cenário de crescente crise do sistema financeiro mundial.

Um exemplo disso foi o destempero do presidente do banco norte-americano Wachovia, Robert K. Steel, que seis dias antes de o Lehman Brothers — quarto maior banco de investimento do mundo — deixar de existir deflagrando a crise inicia em 2007-2008 disse que o sistema financeiro estava “indo na direção certa”. “Estou tremendamente confiante de que estamos indo na direção certa porque temos a força necessária para seguir progredindo. Não vejo nada que nos impeça de ser otimistas em relação ao nosso negócio no longo prazo.”, afirmou.

Passaram-se duas semanas e o próprio Wachovia, quarto maior banco de varejo dos Estados Unidos, era vendido ao Citi. Dali em diante, o efeito dominó levou o sistema financeiro mundial às cordas. A soberba do falastrão Steel dá bem a medida de como os líderes deste mundo fictício veem a realidade. O episódio é quase uma caricatura do momento atual da economia mundial — em que previsões caem no ridículo logo após serem professadas, várias das mais tradicionais instituições financeiras soçobram em série e os mercados financeiros oscilam do céu ao inferno ao sabor de ventos tão intensos quanto imprevisíveis.