Reforma tributária: Oposição quer taxar lucros e dividendos 

Os partidos de oposição querem ampliar a reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados, que voltará do recesso nesta semana. Parlamentares de esquerda querem incluir a taxação de lucros e dividendos na proposta.

Com apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) idealizada pelo economista Bernardo Appy foca no consumo. O texto unifica cinco tributos e será discutido em uma comissão especial da Câmara a partir deste mês.

A equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro também deve apresentar uma proposta que prioriza transações financeiras nos próximos dias, além de mudanças no Imposto de Renda. Há ainda um texto em discussão no Senado e sugestões feitas por empresários.

A reforma proposta por Appy cria um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que seria chamado de IBS (Imposto de Bens e Serviços). Ele substituiria cinco impostos indiretos que incidem sobre o consumo de bens e serviços: IPI, PIS/PASEP e Cofins (todos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal).

O objetivo é simplificar a cobrança e evitar que um mesmo item seja tributado mais de uma vez. Em tese, o impacto positivo seria reduzir o tempo e o dinheiro que empresários gastam para conseguir pagar as taxas, o que poderia melhorar a competitividade.

A oposição não se opõe à ideia de modo geral, mas defende incluir a taxação de lucros e dividendos. De acordo com a legislação atual, o lucro obtido pelas empresas é tributado – mas a distribuição desses valores aos acionistas na forma de dividendos é isenta de taxação.

“Iremos discutir uma proposta que desburocratize e simplifique a legislação tributária e que penalize menos o consumo e mais o capital improdutivo. Ainda não temos uma proposta consolidada, mas teremos isto já no início dos trabalhos da comissão”, afirma o líder do PDT na Câmara, André Figueiredo (CE).

O PDT tem discutido a proposta com o PSB. Outros partidos de oposição devem ser procurados após o texto avançar. Segundo o líder do PSB, Tadeu Alencar (PE), a PEC pode ser aperfeiçoada para reduzir desigualdades sociais. “Precisaria avançar na regressividade do sistema. Há um ambiente favorável ao diálogo”, afirmou. Um dos pontos críticos do modelo atual, a regressividade significa que, proporcionalmente, quem ganha menos paga mais. Isso porque o valor do tributo sobre um bem de consumo, como arroz, por exemplo, é igual para ricos e pobres.

A reforma em pauta

Idealizada por Bernardo Appy, a PEC 45/2019 foi apresentada na Câmara pelo líder do MDB na Casa, Baleia Rossi (SP). O texto aumenta a transparência da cobrança, mas não tem um impacto direto de redução ou aumento da carga tributária para o consumidor, de modo geral.

Além da proximidade com o empresariado, Appy também é ambientado no cenário político. Em 2007, quando trabalhava no ministério da Fazenda com Guido Mantega, no governo Lula, chegou a elaborar uma proposta de reforma similar. Na pré-campanha para as últimas eleições, o economista também se reuniu com os aspirantes ao Palácio do Planalto. Dos cinco candidatos presidenciais mais bem colocados nas pesquisas, só Jair Bolsonaro não mencionou a fusão de impostos entre suas propostas.

Um ponto importante na reforma é a mudança de onde se cobra o tributo – que passaria a ser no estado onde o bem ou serviço é vendido – e não mais onde é produzido. A medida poderia acabar com a guerra fiscal, espécie de disputa dos estados ao oferecer descontos no ICMS para atrair empresas.

De acordo com a PEC, o tempo de transição para o novo sistema seria de dez anos. A nova alíquota só será conhecida nessa etapa, segundo o economista. Com a mudança, cada estado e município poderá definir o valor de cobrança, de modo que o imposto sobre o macarrão, por exemplo, pode ser mais barato em Pernambuco do que em Alagoas. Porém é improvável que a diferença seja significativa.

Por outro lado, o imposto sobre diferentes produtos em um mesmo estado seria o mesmo, seja um perfume ou um detergente. A exceção à diferenciação de taxas é prevista pela cobrança de valores mais altos para itens específicos, a fim de dissuadir o consumo, como cigarros.

Quanto ao impacto na desigualdade social, a proposta acaba com desoneração da cesta básica, mas cria uma espécie de “bolsa tributo” para famílias de baixa renda cadastradas em programas sociais. Por meio de um cartão, a pessoa seria reembolsada mensalmente.

Na avaliação do pesquisador José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), a proposta em discussão na Câmara é a mais bem fundamentada tecnicamente e tem como principal ponto forte a melhoria da competitividade. “Nossa estrutura atual tem imposto em cascata, cobrado mais de uma vez na cadeia produtiva. A reforma aumenta a competitividade do brasileiro no exterior. Hoje a gente acaba exportando imposto”, afirma.

O impacto para redução da regressividade, contudo, é limitado. “Teria de aumentar o peso dos impostos sobre rendimentos e propriedade e diminuir sobre bens e serviços”, aponta o economista.

Críticas

A resistência à PEC vem de empresas e setores econômicos que têm benefícios fiscais no modelo atual, uma vez que eles seriam extintos com a reforma. Há também uma preocupação quanto à desindustrialização no Norte e Nordeste. ″Estados mais pobres vão ficar tem desvantagem”, afirmou Oreiro

Segundo ele, se “São Paulo tem uma estrutura melhor que a Bahia, mercado consumidor maior, mão de obra mais bem treinada”, os paulistas ficam com uma vantagem competitiva ainda maior. “O que a Bahia podia tentar fazer para atrair uma indústria automobilística é usar a alíquota do ICMS. Se você tira esse instrumento, vai ficar mais difícil a concorrência com outros estados. Isso tem que ser compensado com medidas para desenvolvimento regional.”

Como uma medida compensatória, seria criado um fundo, de acordo com Appy, por meio de uma lei infraconstitucional. Segundo o economista, nesse novo cenário seria possível elaborar incentivos específicos de acordo com cada estado em ações que incluiriam também atividades de turismo.

Há também críticas à viabilidade da proposta. “Quanto vai ser alíquota? Ele deixou tão aberto. Imagina quem for trabalhar com isso… Estou mandando uma mercadoria para São João de Meriti no Rio de Janeiro. Vai ter de saber quanto é a alíquota pro IVA lá. São quase 6 mil municípios no Brasil. Se cada um tiver uma alíquota diferente, vira um caos”, apontou João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

De acordo com Appy, contudo, isso não ocorreria porque a proposta mantém autonomia da União, estados e municípios para fixar alíquotas, mas a alíquota é a mesma para todas as mercadorias e serviços. Ou seja, se o município baixar o valor, tem de valer para tudo.

Na avaliação de Olenike, nenhuma proposta apresentada é suficientemente abrangente. “A ideia deveria ser diminuir custo tributário tanto para empresas quanto para cidadãos, reduzir as obrigações acessórias, o número de tributos e o valor das alíquotas, diminuindo a carga tributária e aumentando a base de arrecadação. Significa trazer inadimplentes e sonegadores que não estão pagando em virtude da alta carga”, afirmou.

Uma forma de aumentar a base de arrecadação seria reduzir a carga em cima das empresas e pessoas físicas. A medida poderia reduzir a pejotização, por exemplo (contratação de uma pessoa jurídica para a prestação de serviços). “O saldo de quem está devendo dá em torno da arrecadação tributária de um ano, quase R$ 2,5 trilhões”, aponta Olenike. Hoje a carga tributária é cerca de 35% do PIB no Brasil. Nas contas do presidente do IBPT, o montante chegaria a 60% se fossem incluídos valores hoje relativos à inadimplência, sonegação, pirataria e informalidade.

A reforma de Appy também não impacta diretamente na qualidade de serviços públicos. Segundo indicador do IPBT que mede o retorno dos impostos para população, o Brasil ocupa o pior lugar em um ranking com 30 países com base na carga tributária cobrada e no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “O dinheiro arrecadado não é aplicado em investimentos que melhorem a qualidade de vida da população. Isso não muda porque a reforma é de arrecadação de tributos e não de gastos [públicos], aponta Olenike.

Caso seja aprovada na comissão especial da Câmara, a PEC 45/2019 precisa do voto de 308 deputados, em dois turnos, para seguir para o Senado. Nos próximos meses, parlamentares e a equipe econômica devem buscar uma fusão das diferentes propostas.