Lucas Estanislau: O adeus de Joan Baez 

Passear pela discografia de Joan Baez é se deparar com diversos momentos da história dos Estados Unidos e do mundo. A grande depressão, o movimento sindical, a guerra do Vietnã e a luta pelos direitos civis são alguns temas eternizados em canções da cantora e compositora norte-americana. Entretanto, para os fãs que ainda não tiveram a oportunidade de ouvi-la cantar ao vivo, restarão os mais de 30 discos gravados.

Por Lucas Estanislau

Joan Baez

Joan Baez anunciou o encerramento de sua carreira durante um show no Teatro Real de Madri, na Espanha, na última segunda-feira (29/07). Um dos principais nomes da música popular norte-americana, a cantora folk justificou a despedida afirmando que sua voz já não proporciona mais as condições desejáveis para se apresentar. “Eu gosto desta voz. Ela não tem nada a ver com a voz que eu tinha há 50 anos, nada, mas eu estou gostando dela. Embora, ao mesmo tempo, também é muito difícil manter o trabalho”, disse a artista de 78 anos à revista Rolling Stone.

Com um repertório que trazia canções de grandes compositores como Suzanne, de Leonard Cohen, Don’t think twice it’s all right, de Bob Dylan, e clássicos do cancioneiro folclórico norte-americano como House of rising sun e Joe Hill, Baez se apresentou pela última vez para cerca de 1.700 pessoas e encerrou o show derradeiro com a balada Fare thee well (Adeus a vocês), canção que gravou pela primeira vez em seu disco de estreia, Joan Baez, de 1960.

O lançamento da cantora no mercado fonográfico veio após uma apresentação muito elogiada na edição do ano de 1959 do Newport Folk Festival, quando Baez, com apenas 18 anos, foi considerada a grande revelação do festival. Entre seu álbum de lançamento, em 1960, até 1971, a cantora fez parte do cast da lendária gravadora folk Vanguard, por onde lançou 15 discos de inéditas e diversas compilações.


Joan Baez, ao lado de seu parceiro musical e ex-namorado Bob Dylan, em foto de 1965
 

Foi também durante a década de 1960 que Baez conheceu o então jovem e anônimo cantor e compositor Bob Dylan, com quem manteve um relacionamento afetivo e parcerias musicais ao longo da vida. Em 1965, a cantora lançou seu quinto disco de inéditas, Farewell, Angelina, que registrou as primeiras de muitas canções de Dylan que Baez gravou, como It’s all over now, baby blue, A hard rain’s a-gonna fall e a faixa que dá título ao álbum.

Como outros cantores folk da mesma época, Baez participou de diversas atividades políticas e foi uma das artistas a se apresentar na Marcha sobre Washington, em agosto de 1963, durante o auge do movimento pelos direitos civis encabeçado por Martin Luther King. Em 1969, se apresentou no histórico festival de Woodstock e, durante a década de 1970, dedicou-se a compor e cantar canções de protesto contra a guerra do Vietnã, chegando a dedicar um disco inteiro à causa quando seu marido à época, David Harris, foi preso durante manifestações contra o conflito.

Nascida em Nova York, filha de pai mexicano e mãe escocesa, Baez domina o espanhol muito bem e sempre gravou canções na língua. Em 1974, a cantora lançou Gracias a la vida, álbum no qual homenageia a grande artista chilena Violeta Parra e envia uma mensagem de solidariedade ao Chile, país que havia acabado de cair nas mãos do ditador Augusto Pinochet após o golpe que derrubou o governo popular de Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973.


 

A cantora sempre buscou estreitar os laços de amizade e cooperação entre a música folclórica dos EUA e a latino-americana. Na década de 1980, Baez fez uma turnê pela América Latina e passou por países como Chile, Argentina e Brasil, então governados por ditaduras militares. A cantora denunciou abusos dos regimes durante entrevistas e chegou a ser perseguida e ameaçada pelos órgãos de repressão dos lugares por onde passou.

A postura política nunca abandonou a trajetória de Baez. Em abril de 2017, a cantora divulgou um vídeo cantando uma canção de sua autoria intitulada Nasty man (Homem horrível) na qual critica o presidente dos EUA, Donald Trump. Apesar de nunca mais ser ouvida nos palcos, a voz de Joan Baez continuará gravada para servir de trilha sonora de parte considerável da história norte-americana e seguirá sendo, como sempre, uma voz contra as injustiças e opressões do mundo.