Governo Bolsonaro cria marca para o turismo com conotação sexual 

Em longo artigo para o site Viaje na Viagem, o publicitário e escritor Ricardo Freire destrinchou a nova marca do turismo no Brasil, criada recentemente pelo governo Jair Bolsonaro (PSL), por meio da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo). Segundo Freire, o slogan “Brazil – Visit and love us” ("Brasil –Visite e nos Ame") se destaca por sete erros, como “não soar fluido em inglês” e ter apelo sexual.

Marca do turismo no Brasil

As queixas, por sinal, partiram de fora do País. “É sintomático que uma das críticas mais duras ao novo slogan tenha vindo da associação brasileira de turismo de luxo, a BLTA (Brazilian Luxury Travel Association) – que, ao contrário da Embratur, usa o inglês no dia a dia dos seus negócios”. Na opinião de Simone Scorsato, diretora executiva da BLTA, o slogan bolsonarista “é ambíguo e facilmente incompreendido, mesmo para quem fala inglês em qualquer lugar do mundo, não cumprindo, assim, o objetivo de promover, efetivamente, o Turismo de maneira positiva”.

Com a ausência de uma “consideração cuidadosa da linguagem”, bem como de “tendências e práticas óbvias na indústria global de viagens”, a logomarca acaba por custar aos brasileiros, segundo a BLTA, “empregos de qualidade e crescimento econômico sustentável a longo prazo”. Simone Scorsato recomenda, assim, que a Embratur “retire imediatamente o slogan e comece a explorar alternativas que não deixem em aberto possibilidades passíveis de interpretação errônea”.

No site Quora, voltado também ao turismo, um norte-americano que visitou por seis vezes o Brasil revelou igual incômodo. “Não fizeram nenhum ‘focus group’ [pré-teste] antes?”, questionou ele. “De fato, é um slogan abstrato demais para evocar imagens ou experiências, exceto que sim, turismo sexual logo vem à mente, devido às palavras escolhidas. Mas já que a prostituição é legal lá, será que não é um aspecto [intencional da frase]?”

Diante da enxurrada de críticas recebidas, o governo, em nota, procurou se esquivar. “Quanto às alegações que o slogan poderia ser considerado um incentivo ao Turismo sexual, a Embratur afirma que não há sentido em fazer essa ligação”, afirmou a gestão Bolsonar. “Nós queremos que as pessoas venham e amem o Brasil. Amem as nossas praias, cachoeiras, nosso Turismo náutico, de pesca, de mergulho, o Turismo de negócios e eventos, a nossa gastronomia, cultura e esporte.”

“A reação da Embratur às críticas é terraplanista”, ironiza Ricardo Freire, que dá uma aula básica de comunicação social ao governo: “Quem deve dizer se a mensagem tem ou não tem esta ou aquela conotação não é o emissor. É o receptor. Está totalmente fora do alcance do emissor controlar o entendimento do receptor. Publicidade não vem com manual de instruções, nem com um personal explicator para explicar a mensagem, receptor por receptor. Se o receptor entende a mensagem de uma maneira diferente da pretendida pelo emissor, o emissor vai precisar investir numa nova comunicação para desfazer o mal-entendido. Release para a imprensa não resolve.”

Para o publicitário, a Embratur peca ao apresentar um “argumento surreal” – o de que “não há conotação sexual porque nós, autoridades, não reconhecemos a existência de turismo sexual. Aliás, exploração sexual é crime!”. Essa lógica não se sustenta por duas razões: 1) queira ou não queira o governo, “turismo sexual existe, sim. No Brasil e em todo lugar”; e 2) embora degradante, “turismo sexual não é crime no Brasil – quando praticado consensualmente entre pessoas maiores de 18 anos, sem intermediários que configurem a ‘exploração’”.

Ricardo agrega: “Se esse ‘love us’ é tão maravilhosamente amplo como a nota apregoa (inclui até ‘queremos que amem o turismo de negócios’), por que cargas d’água não incluiria o turismo sexual?”. Além disso, até mesmo Bolsonaro já declarou que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”.

Se a imagem do Brasil é arranhada, a economia do turismo também tem impactos negativos. “Se há algum mal-entendido, a campanha é gongada, porque não se joga dinheiro fora numa comunicação que parte do público, ainda que minoritária, vai entender errado. Nenhum anunciante responsável vai investir numa comunicação impregnada de ruído”, explica Ricardo.

Confira abaixo, resumidamente, os sete erros apontados pelo publicitário:

1) O slogan não soa fluido em inglês
“Antes mesmo de examinar seu significado, deve-se dizer que "Brazil. Visit and love us" é uma frase que soa estranha (…). O slogan é bizarro e embaraçoso e qualquer consultor internacional – ou angloparlante nativo – poderia ter dito isso a eles.”

2) O slogan não significa o que a Embratur acha que signifique
“No momento do lançamento da nova marca, o slogan ‘Brazil. Visit and love us’ veio traduzido no release como ‘Brasil. Visite e encante-se’. (Mas) ‘Visit and love us’ não significa ‘Visite e encante-se’. Significa ‘visite e nos ame’, não há o que inventar aqui. Esse ‘encante-se’ poderia ser algo como, sei lá, ‘be amazed’ (mas este verbo já é usado no slogan da Tailândia). Certamente não é ‘love us’.”

3) “Us” não é um pronome que se use para um país
“Em publicidade, ‘we’/’us’ são habitualmente usados por empresas. É um recurso empregado para humanizar anunciantes/corporações. Mas não há precedentes de seu uso para um país (…). Quando um país usa ‘nós’ na sua comunicação, está sim se referindo ao seu povo. E se o slogan que você criou manda amar o povo do seu país, então esteja preparado para todas as interpretações possíveis.”

4) Não se usa “amar” no imperativo em publicidade
“A publicidade não vive sem o imperativo – o verbo usado no modo que comanda uma ação do interlocutor. O verbo neste modo serve para, digamos assim, sugerir com força: ‘compre’, ‘experimente’, ‘troque’, ‘descubra’, ‘aproveite’, ‘curta’, ‘ligue já’. Não há a conotação de 'ordem', porque são comandos que fazem parte da paisagem da publicidade desde a invenção do anúncio, e já se enfraqueceram ao longo do tempo. Mas veja: os verbos amar, gostar, adorar (e outros, como aprovar ou ficar satisfeito) não fazem parte desse elenco. Não se usa nenhum deles no imperativo, porque seria uma sugestão forte demais. Pode parecer, sim, uma ordem.”

5) Tem conotação sexual, sim

6) A nova marca é um retrocesso
“A nova marca Brasil constrange o design brasileiro. Ela está para uma marca de verdade como uma live de Facebook está para um comercial propriamente produzido. Foi orgulhosamente anunciada como tendo sido feita internamente, em prazo recorde, economizando dinheiro público. Todas essas qualidades estão bem evidenciadas no resultado: é amadora, mal-acabada e pobre. O nível é tão pouco profissional que, ‘para economizar’, foi usada uma fonte gratuita. Só que o autor não autoriza o seu uso comercial.”

7) O “z” é importante, mas não precisa estar na marca
“Se tivermos uma ‘marca Brazil’, com o Brazil com ‘z’ incorporado ao logotipo, vamos precisar ter também uma marca Brasil, uma marca Brésil, uma marca Brasile, uma marca Brasilien, uma marca Brazilië, uma marca Burajiro e por aí afora. Não é muito prático. Dá para resolver muito bem com Brasil com ‘s’ na marca e Brazil com ‘z’ nos enunciados e textos”