Os perigos da Guerra Híbrida: veja o que está acontecendo em Hong Kong

Nas últimas semanas, a grande mídia internacional vem dedicando bastante espaço para as manifestações que tomaram as ruas da região autônoma de Hong Kong. Em consonância, redes sociais são bombardeadas por publicações sobre os manifestantes “pró-democracia” que protestam contra um projeto de lei de extradição para a República Popular da China.

Hong Kong

Tanto a cobertura midiática ocidental quanto a expressiva maioria das postagens não cumprem grande papel informativo e acabam por apresentar simplesmente um quadro de ativismo que se defronta com um regime brutalmente autoritário, sendo a nova lei de extradição mais uma violação de direitos humanos pelo governo chinês.

A realidade, todavia, é sempre mais complexa do que denuncia a aparência. Para compreender o que ocorre atualmente em Hong Kong, o que significam tais protestos e por que esses têm recebido tamanha repercussão, é necessário entender o que representa Hong Kong para a China e para a geopolítica internacional.

Hong Kong é uma ex-colônia britânica, ocupada durante as Guerras do Ópio no século 19 e que voltou a ser parte da China, enquanto região autônoma especial, apenas em 1997, sob o princípio de “um país, dois sistemas”. Durante o período colonial, a região, controlada desde então por oligopólios financeiros, nunca contou com um sistema representativo. Somente nos anos 90 é que os cidadãos de Hong Kong passariam a votar para o parlamento, criado por iniciativa do governo chinês.

Atualmente um dos maiores centros financeiros do mundo, é visível a influência do passado colonial na sociedade de Hong Kong, que especialmente entre suas classes altas exalta forte identificação com o ocidente e, em muitos casos, um sentimento de menosprezo à China e ao povo chinês.

Os atuais protestos começaram há cerca de dois meses, quando o projeto de uma lei de extradição com a China continental foi apresentado – a região não tem procedimento estabelecido de extradição com Pequim, apesar de possuir com países como EUA e Reino Unido. Esse projeto visa combater a atual impunidade de crimes graves, principalmente cometidos pelas elites financeiras. Em pouco tempo, campanhas online contra a lei de extradição se instalaram e foram rapidamente seguidas por protestos na cidade de Hong Kong.

Qual o caráter desses protestos? O que os mobiliza? Quem fornece suporte? Em 2014, protestos pró-democracia, conhecidos como a Revolução dos Guarda-Chuvas, irrompiam em Hong Kong. Tais manifestações, além de contarem com forte apoio e cobertura do Ocidente (que prontamente denunciou a repressão), foram financiados e suas lideranças treinadas por diversas ONGs capitaneadas pelo Fundo Nacional pela Democracia (National Endowment for Democracy – NED), criado pela CIA.

Mais do que sucessores espirituais, os atuais protestos contra a lei de extradição dão continuidade ao processo de defesa da acumulação especulativa em Hong Kong e da tentativa de desestabilização do governo chinês pelo Ocidente. Sua identificação com o Ocidente ficou bastante evidente durante a violenta invasão do parlamento, quando manifestantes penduraram a bandeira colonial britânica.

Eis a nova faceta da geopolítica imperialista: a promoção de manifestações internas que visam desestabilizar governos não-alinhados aos EUA e, em geral, de grande relevância geopolítica. Instrumentalizam-se ONGs para dar suporte financeiro, político e logístico às manifestações, que se proclamam “espontâneas e pacíficas”, como forma de promover revoluções coloridas para derrubar os atuais chefes de Estado e substituí-los por governantes aliados. Essas manifestações ganham suporte dos grandes grupos midiáticos, que manufaturam opiniões favoráveis, apresentando-as como defensoras da liberdade, da democracia e dos direitos humanos.

Sua utilização não é novidade: é o mesmo receituário usado na “Primavera Árabe”, na Ucrânia, na Síria, na Venezuela. Onde foram bem-sucedidas, o resultado foi desastroso: a Líbia, por exemplo – que durante o governo Gaddafi contava com o maior IDH da África – vive hoje a destruição do seu Estado e o retorno do tráfico de seres humanos. Muitas vezes, de forma míope e sem entender suas complexidades, setores progressistas acabaram por apoiar tais processos, assim como hoje titubeiam em defender as lutas pela soberania nacional na Venezuela e na Síria.

A China é hoje a grande ameaça à Casa Branca. Sua ascensão ruma à multipolaridade internacional e à quebra da hegemonia global do dólar. Em plena guerra comercial, criar focos de instabilidade contra o gigante asiático é central para a política externa de Washington, que no grande plano almeja a total desestabilização do continente.

A geopolítica do capitalismo é complexa e cruel. Em tempos de Guerras Híbridas, devemos redobrar os cuidados e a rigorosidade na hora de tomar posicionamentos. Ao não examinarmos a fundo a realidade conjuntural, corremos o risco de cairmos nas armadilhas das falsas bandeiras ocidentais e, sem perceber, nos aliarmos ao nosso grande inimigo: o imperialismo.