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Filme mostra a ascensão e a aniquilação do anti-herói Wilson Simonal 

O cantor carioca Wilson Simonal (1938-2000) é o personagem do musical Simonal, dirigido por Leonardo Domingues, com o ator baiano Fabrício Boliveira no papel principal. Ele se distingue de outros ídolos da música popular homenageados com melodramas animados por sucessos, pois não teve uma trajetória linear apropriada à fábula exemplar. Simonal nunca foi santo. Foi, sim, uma espécie de mártir – o mártir de uma falha ética da qual nunca se livrou.

Por Luís Antônio Giron

Wilson Simonal - Divulgação

Ao longo dos anos, sua reputação póstuma não foi resgatada, apesar do esforço da parte dos filhos, os músicos Wilson Simoninha e Max de Castro, que colaboraram em duas biografias, um musical e um documentário sobre o artista. Eles também participaram da produção musical do longa-metragem, mas não influenciaram no roteiro. “Nossa intenção é resgatar a sua memória artística”, afirma Simoninha.

Os irmãos orientaram Boliveira a mover os lábios e simular os trejeitos de Simonal,
cujas gravações originais são usadas no filme. “Gosto de cantar, mas sou dançarino e ator”, diz Boliveira. “O que eu tentei fazer não foi imitá-lo, mas penetrar na verdade de um ser humano.”

Embora repleto de números musicais e de algumas infidelidades, o filme não suaviza o perfil do protagonista. Em vez de retratá-lo como vítima do sistema, mostra a ascensão e aniquilação de um anti-herói arrastado pelas circunstâncias. Não desvia do fato de que Simonal, ex-militar, foi informante da ditadura. O cantor aparece acionando contatos na polícia para assustar o seu contador, Raphael Viviani (Taviani, no filme), e forçá-lo a confessar que havia roubado a Wilson Simonal Produções, a primeira grande empresa do gênero dirigida por uma artista brasileiro, que não durou mais que um ano e faliu.

O contador sofreu agressões, como tortura no pau de arara, e as denunciou em 1972. Simonal foi condenado por extorsão mediante sequestro e ficou preso por nove dias, para depois cumprir prisão domiciliar. Quando a pena acabou, em 1976, foi boicotado pela classe artística e não recuperou o prestígio que o havia convertido, no fim dos anos 1960, no cantor mais popular do Brasil.

Até hoje não se deu a redenção de Simonal, nem mesmo a de sua música, tão sonhada pelos filhos. “As novas gerações não conhecem seus sucessos”, diz Simoninha. “Ele poderia ter-se reabilitado caso contasse com uma reorientação de carreira. Mas não teve forças para continuar e se autodestruiu.”


“Simonal não soube administrar a carreira e fez uma delação desastrada”, avalia Leonardo Domingues
 

Para o diretor Domingues, será difícil redimi-lo. “Não dá para dizer que ele não tenha cometido um erro”, diz. “Simonal não soube administrar a carreira e fez uma delação desastrada.” Assim, foi apagado da história, pensa Boliveira: “Há muita gente que ainda o acusa. E uma das razões para isso foi o fato de ser negro. Ninguém o perdoou por isso. Ainda mais um negro arrogante, famoso, rico e genial. Ainda hoje isso é insuportável no Brasil.”

Simonal morreu de cirrose, sem se perdoar pelo erro que cometeu, mesmo tendo cumprido pena e demonstrado, por meio de um habeas data, que nunca delatou nenhum artista. “Sou o único homem a não ter sido anistiado no Brasil”, dizia Simonal em entrevistas. Tinha razão.