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Nelson Motta: Como Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira criaram Asa Branca

Maior sucesso do Rei do Baião e um dos nossos “hinos nacionais populares”, Asa Branca foi composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em 1947, a partir de um tema folclórico, que o sanfoneiro conhecia desde a infância. Após uma década e meia longe, Luiz Gonzaga (1912-1989) tinha visitado a cidade de Exu, no sertão pernambucano, onde nasceu, e, ao retornar ao Rio, mostrou ao parceiro a canção.

Por Nelson Motta*

Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Teixeira mexeu em alguns versos, acrescentou outros, consolidando o lirismo e as fortes imagens da seca que castigava sem tréguas a região e forçava a imigração de seu povo para o Sul. Em ritmo de toada, a música tocou fundo no coração dos brasileiros. Além das muitas gravações de Gonzaga, foi adotada por intérpretes de diferentes estilos e gerações, ganhou até versões sinfônicas, virando um hino do Nordeste e de sua gente.

Radicado no Rio de Janeiro desde 1940, Gonzagão sobrevivia a duras penas, tocando valsas, polcas, tangos, foxtrotes e boleros em bares da zona de prostituição. Na época, os ritmos nordestinos que tinham feito tanto sucesso nas duas primeiras décadas do século 20 estavam relegados à sua região, eram vistos como cafonas no Sudeste brasileiro.

Até que, uma noite, atendendo aos pedidos de um grupo de estudantes nordestinos de passagem pela então capital federal, Gonzaga voltou aos sons de pé de serra que seu pai, Januário, tocava. Para sua surpresa, conseguiu empolgar a plateia e percebeu que aquele diferencial era um filão a ser explorado. Já em 1941, compôs os chamegos Pé de Serra e Vira e Mexe – tendo este último lhe rendido o primeiro prêmio no programa de calouros de Ary Barroso e um contrato para gravar na RCA Victor.


Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira falam sobre a composição de Asa Branca
 

Nos anos seguintes, com seu repertório de chamegos, xotes e baiões, adotou um visual próprio, com roupas de couro, adereços de boiadeiro e chapéu de cangaceiro, que, segundo um de seus fãs, Gilberto Gil, fez dele o primeiro popstar brasileiro. Essa metamorfose se completou em fins de 1945, quando conheceu seu principal letrista, o advogado cearense Humberto Teixeira (1915-1979).

No ano seguinte, a dupla fez Baião, lançada pelo grupo vocal Quatro Ases e Um Coringa, com Gonzagão tocando sanfona. A canção popularizou um ritmo e uma dança que faziam sucesso no Nordeste desde o fim do século 19. O Brasil inteiro aprendeu como se dança o baião, e Luiz Gonzaga virou rei de vez em 1947, nas asas de Asa Branca.

* Nelson Motta é jornalista, compositor e crítico de música. Este artigo foi publicado originalmente no livro 101 Canções que Tocaram o Brasil (Estação Brasil, 2016).]