Bolsonaro tem dever de revelar fonte sobre crimes da ditadura, diz MPF

Em nota, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, diz que as declarações de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz Oliveira, que desapareceu após ter sido preso por agentes do regime militar no Rio de Janeiro, são graves e obriga o presidente a revelar suas eventuais fontes por causa do cargo que ocupa.

Bolsonaro

Bolsonaro disse que recebeu informações que Santa Cruz foi morto por membros da Ação Popular, organização da qual o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, fazia parte.

“As declarações são graves porque “a responsabilidade do cargo que ocupa impõe ao Presidente da República o dever de revelar suas eventuais fontes para contradizer documentos e relatórios legítimos e oficiais sobre os graves crimes cometidos pelo regime ditatorial. Essa responsabilidade adquire ainda maior relevância no caso de Fernando Santa Cruz, pois o presidente afirma ter informações sobre um crime internacional que o direito considera em andamento”, diz um trecho da nota.

A PFDC conclui afirmando que não há sigilo sobre esses dados, conforme a Lei de Acesso à Informação, e que a Constituição exige do Chefe de Estado que aja com moralidade, legalidade, probidade e respeito aos direitos humanos.

O desaparecimento forçado é um dos crimes internacionais que merece a mais severa sanção, posto que reúne diversas ações ilícitas que se originam com a prisão ou detenção ilegal, perpassam a prática de tortura, falsidade sobre o paradeiro, subtração de provas, obstrução da Justiça e, quase sempre, culmina no homicídio e na ocultação de cadáver. “Qualquer autoridade pública, civil ou militar, e especialmente o Presidente da República, é obrigada a revelar quaisquer informações que possua sobre as circunstâncias de um desaparecimento forçado ou o paradeiro da vítima”, afirma a nota.

No documento, a PFDC relembra que o Brasil foi condenado, em duas oportunidades (nos casos Vladimir Herzog e Gomes Lund) pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela prática de crimes contra a humanidade e de graves violações aos direitos humanos durante a ditadura militar – sentenças nas quais foi determinado que o Estado promovesse a investigação, o julgamento e a punição pelos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, execuções sumárias e tortura. A Corte decidiu, inclusive, que a privação do acesso à verdade dos fatos sobre o destino de um desaparecido constitui uma forma de tratamento cruel e desumano para os familiares e, por si só, é uma grave violação aos direitos humanos.

Comissão da Verdade

A ditadura militar e sua decorrente violação de direitos humanos foram objeto da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei 12.528/2011. Seu relatório é um documento legal produzido para elucidar fatos que possuíam versões conflitantes, conferindo a expressão da “verdade estatal”, a qual deve ser observada pelos órgãos da administração pública.

Nele, aponta a PFDC, consta que o desaparecimento forçado de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi investigado pela CNV e, anteriormente, pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia.

À época, o pai do presidente da OAB era funcionário público, com emprego fixo e integrava a Ação Popular. Ao contrário de outros militantes da época, não estava na clandestinidade. Também não consta registro nessas comissões de que tivesse tido participação em algum ato da luta armada. Ele foi visto pela última vez quando deixou a casa de seu irmão, no Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1974.

Provavelmente, foi preso junto com Eduardo Collier Filho por agentes do DOI-CODI do I Exército e, em momento incerto, transferido para o DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, à época dirigido por Carlos Alberto Brilhante Ustra. Cogita-se que Fernando Augusto tenha sido assassinado na Casa da Morte, em Petrópolis (RJ).

A Comissão Nacional da Verdade, acrescenta a Procuradoria dos Direitos do Cidadão, concluiu que Fernando Santa Cruz foi “preso e morto por agentes do Estado brasileiro e permanece desaparecido, sem que os seus restos mortais tenham sido entregues à sua família. Essa ação foi cometida em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar instaurada no Brasil em abril de 1964”.

A PFDC observa, na nota pública, que não é a primeira vez que o Presidente da República se manifesta em aprovação à violação de direitos humanos na ditadura militar. Em março de 2019, estimulou a celebração do golpe de Estado de 1964 e, em 19 de julho deste ano, expressou-se de modo deletério à jornalista Miriam Leitão, que foi vítima de prisão ilícita e tortura durante o regime militar.

“A jornalista estava grávida à época e foi submetida a sevícias diversas, durante dois meses. Processada na Justiça Militar, foi absolvida. Naquela ocasião, o mandatário do Poder Executivo fez alusão a informações que contradizem as evidências até hoje colecionadas sobre as graves violações aos direitos humanos perpetradas a Miriam Leitão”, pondera a Procuradoria.