Portaria de Moro, que tenta intimidar Glenn, é 'ilegal e fere direitos'

Com nítido proposito de intimidar o jornalista Glenn Greenwald, editor do Intercept Brasil, o Ministério da Justiça publicou, no Diário Oficial desta sexta-feira (26), a portaria número 666, de 25 de julho de 2019. A portaria foi publicada pelo ministro Sergio Moro logo após a prisão dos supostos hackear de celulares de autoridades brasileiras.

(Foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

“Dispõe sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.

Especialistas ouvidos pelo site Conjur dizem que a potaria é ilegal e afronta direitos, configurando um "retorno ditatorial". De acordo com a especialista em Direito Migratório Karina Quintanilha, a nova norma apresenta muitos ataques a direitos básicos.

"Essa portaria pode ser classificada como uma medida anti-imigrante que viola a presunção de inocência e o devido processo legal ao tratar o migrante como "suspeito", e não sujeito de direitos como já previsto na lei de migração de 2017", afirmou.

Segundo a especialista, a portaria, ao classificar pessoas como "suspeitas de envolvimento" cria uma punição que não existe na lei. "Um suspeito, mesmo sem ter sido condenado por um crime, poderá ser punido com deportação sumária ou impedido de entrar em território nacional".

Quintanilha ainda destacou que a nova lei de migração é pautada no repúdio à discriminação e na não-criminalização de migrantes que estão de modo irregular no país. "A lei se baseia na igualdade de direitos, incluindo a liberdade de associação sindical e política, e na impossibilidade de expulsão ou deportação coletivas. Essa portaria viola esses direitos e também as normas que se aplicam à deportação e expulsão nessa lei", afirma.

A especialista lembra que a criação de um discurso do imigrante como uma ameaça também foi utilizada como arma política durante as ditaduras no Brasil e na América Latina como um todo, e tem sido uma estratégia de campanhas anti-imigrantes em governos de extrema direita, nos Estados Unidos e Europa, principalmente após o 11 de setembro de 2001 e a crise econômica de 2007.

Ilegalidades

Para o defensor público da União João Chaves, especialista no assunto, o objetivo declarado da portaria é ampliar as possibilidades de deportação, mas, para isso, incorre em ilegalidades.

"Ela é uma portaria inconstitucional porque afronta a presunção de inocência, além de estipular um conceito de 'pessoa perigosa' que não existe no ordenamento jurídico", diz.

O defensor atribuiu à norma um caráter político que concede poderes à Polícia Federal. Além disso, para Chaves, o prazo dado à pessoa "suspeita" para se justificar, de apenas 48 horas, é incompatível com o direito à ampla defesa.

"O prazo regular garante que a pessoa tenha 60 dias de processo e ampla defesa. No caso, ninguém pode dizer que o prazo de apenas 48 horas garanta o devido processo legal", afirma o defensor público João Chaves.

Mensagem errada

Para Pablo Ceriani, advogado membro da comissão de proteção aos trabalhadores imigrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), o texto passa uma mensagem a equivocada para sociedade de que estrangeiros são um perigo grave e que se envolvem em casos de criminalidade em um país, dificultando a integração.

"Este procedimento de deportação tem um problema sério se a pessoa é apenas suspeita e não foi acusada de delitos. O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é bem claro nessa matéria. Entretanto, a maioria dos casos isso ocorre sem sequer as mínimas garantias substantivas, como o princípio da legalidade, por exemplo, e formais, como as garantias de devido processo legal", diz.