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Há 40 anos, a MPB cantava a Anistia que balançou a ditadura 

A música popular brasileira tem sido um retrato fiel dos mais importantes acontecimentos da nação chamada Brasil. Não foi diferente com alguns clássicos da MPB pelo grito de “Anistia ampla, geral e irrestrita”.

Por Marcos Aurélio Ruy

Chico Buarque e Gilberto Gil

Aprovada em agosto 1979, limitada e restrita para não punir os opressores, torturadores e frios assassinos, a Anistia balançou as estruturas da ditadura (1964-1985), que já sofria abalos com as passeatas estudantis de 1977, as greves dos operários do ABC Paulista, de 1978 a 1980, e a campanha contra a carestia no início dos anos 1980. Foi um grande impulso às lutas populares pelo fim da ditadura.

O Bêbado e a Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, torna-se o principal hino desse movimento com uma melodia marcante, quase uma toada, somada ao encantamento da sublime interpretação de Elis Regina. Quarenta anos depois, permanece no imaginário popular como o símbolo de um tempo de resistência, abnegação e generosidade.

Quem de lá para cá não cantarolou os versos “que sonha com a volta do irmão do Henfil, com tanta gente que partiu”… E Herbert de Sousa, o Betinho (1935-1997), irmão do brilhante cartunista Henfil (1944-1988), ambos vítimas da aids em transfusão de sangue por serem hemofílicos, revitalizaram o sonho de um Brasil mais justo e mais igual.

A canção foi além da denúncia ao arbítrio temporário. Permanece atual quando canta “que uma dor assim pungente / não há de ser inutilmente / a esperança dança na corda bamba de sombrinha”, porque “o show de todo artista tem que continuar”.

Show que nunca cessou de defender o sonho de liberdade e justiça para a construção de um País onde prevaleça o respeito e a dignidade humana. Sonho translúcido na também quarentona Sonho Meu, de Dona Ivone Lara (1922-2018) e Délcio Carvalho (1939-2013).

“Sonho meu / vai buscar quem mora longe / sonho meu”, canta a voz imponente de Dona Ivone. A primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de uma escola de samba, na Império Serrano, em 1965, mostra o talento e a força de uma das maiores sambistas do país.

“Vai buscar quem mora longe… Vai mostrar esta saudade / Sonho meu / Com a sua liberdade / Sonho meu / No meu céu a estrela guia se perdeu / E a madrugada fria só me traz melancolia, / Sonho meu”

Gonzaguinha (1945-1991) também transmite o seu grito de liberdade de 40 anos atrás. Tangencia a questão da Anistia, mas a sua poesia cantada diz “chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder / o que não dá mais pra ocultar / e eu não quero mais calar”.

Extremamente atual. “Já que no brilho desse olhar foi traidor e entregou o que você tentou conter”. O grande compositor carioca canta ainda “que essa vida entre assim como se fosse o sol desvirginando a madrugada… explode coração”. Tudo o que o Brasil precisa em 2019 é explodir em amor ao próximo, emoção pelo país e candura para superar o pesadelo Jair Bolsonaro.

Duas outras canções não poderiam ficar de fora. A versão feita por Gilberto Gil de No Woman no Cry (Não Chore Mais), de Bob Marley, vem ao encontro dos anseios de pôr fim à ditadura e trazer de volta tantas brasileiras e brasileiros forçados a viver no exterior.

Em 1979, Gil cantava ter “amigos presos, amigos sumindo assim / pra nunca mais / nas recordações retratos de um mal em si / melhor é deixar pra trás / não, não chore mais… Observando hipócritas / disfarçados rondando ao redor”.

Feijoada Completa, de Chico Buarque, pedia para “botar água no feijão” para receber os amigos que há muito não se viam “pra conversar”. O Brasil recebia de braços abertos grandes personagens de nossa história como Miguel Arraes (1916-2005), Leonel Brizola (1922-2004), Luiz Carlos Prestes (1898-1990) e João Amazonas (1912-2002), entre muitos outros.

O samba rasgado, divulgado em fins de 1978 foi sucesso no ano da Anistia. “Mulher, você vai gostar / Tô levando uns amigos pra conversar / Eles vão com uma fome que nem me contem / Eles vão com uma sede de anteontem… / e vamos botar água no feijão”.

 

São cinco canções antológicas que reforçam a necessidade de entender a cultura como essencial para a vida de um povo e de uma nação e o compromisso da MPB com o País, a democracia, a liberdade e a justiça para o Brasil recuperar o tempo da delicadeza e da poesia.