Questão tributária: onde ao racismo se estrutura

"O sistema tributário brasileiro é racista, estrutura e reproduz desigualdades".

Por Alexandre Reis*

Alexandre Reis

A estruturação do sistema tributário brasileiro é um motor com excelente desempenho na reprodução do racismo e aumento constante das desigualdades. Ele não faz barulho e garante conforto e tranquilidade para alguns poucos, mas libera monóxido de carbono (regressividade = quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos) para a maioria da população, provocando as doenças do extermínio de jovens, educação e saúde públicas sem qualidades, desemprego em massa, falta de moradia, fome, miséria e uma lista extensa de efeitos colaterais graves.

Para melhor compreensão do atual sistema, tendo em vista um olhar geral sobre a matéria, ainda que superficial, é preciso fazer uma digressão à década de 60 do século passado e levantar as principais peças do motor acima referido.

Trata-se do período de crise política e econômica (mais uma de tantas que ocorreram antes e depois) que possibilitou a instalação do regime militar através de um golpe com apoio de civis e setores empresariais. Tal qual 2016, com a derrubada da presidente Dilma Rousseff, a destituição do presidente João Goulart, em 1964, teve a mesma justificativa: retomar o crescimento econômico, o emprego, acabar com a corrupção, dar eficiência ao governo etc.

No governo Castello Branco, a dupla Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos foi a responsável pela reforma tributária mais importante desde 1891. Em resumo, a reforma de 1965 racionalizou a engrenagem arrecadatória a fim de garantir o crescimento da economia. As alterações não produziram resultados imediatos e desagradaram setores de apoio ao regime, dessa forma Delfim Netto assumiu o comando da economia em 1967.

O maleável Delfim, fez inflexões na política econômica, aproveitou-se das bases construídas e as manejou a fim de beneficiar as classes de melhores rendas da sociedade. O leque de concessões e incentivos fiscais foi aberto, e os mais ricos foram generosamente atendidos. Aos pobres restaram regressividade e menos oportunidades de ascensão social.

A reforma tributária de 1965/1967 apresentou resultados formidáveis, a economia teve crescimento espetacular, taxa média anual de 10%! Mas “o milagre econômico” foi para poucos. As populações negra e indígena continuaram amargando a maldição do colonialismo e da escravidão. Viram o bolo crescer, mas não foram convidadas para festa da distribuição.

Cessado o período da euforia do crescimento pela via do consumo das classes mais abastadas, os problemas se apresentam em forma de endividamento das contas públicas, inflação crescente e recessão. O regime perde apoio e abre-se a fenda para redemocratização e elaboração da nova Carta Constitucional, inclusive a reforma tributária de 1988.

Sem entrar no debate sobre circunstâncias e “deficiências” da Constituição Cidadã, o fato é que direitos fundamentais para o bem estar da maioria da população foram aprovados pelos constituintes.

Os governos eleitos pelo sufrágio universal desde 1989 não realizaram reforma tributária. Fizeram ajustes fiscais, mas não reuniram condições suficientes para alterar o sistema. Vale destacar que as várias propostas encaminhadas ao Congresso Nacional, desde então, visam reduzir impostos, modernizar, simplificar, racionalizar e melhorar o ambiente para os negócios.

É inegável que os governos Lula e Dilma foram os que mais avançaram na política de distribuição de renda e melhoria da qualidade de vida da população. Estudos sérios comprovam esta afirmativa. A população negra teve o ambiente mais propício para realização de suas aspirações. Mas os governos comandados pelo PT não enfrentaram a regressividade e nem o esquema da elite rentista.

Com o golpe institucional de 2016, as conquistas sociais do período Lula/Dilma vêm sendo rapidamente destruídas. Michel Temer e coligados aprovaram o congelamento do teto dos gastos por 20 anos e a reforma trabalhista pró mercado; e Bolsonaro, com o apoio do presidente da Câmara e do Senado, avança para estabelecer uma nova previdência que prejudica os mais pobres. Na mesma linha, tramita na Câmara Federal uma nova proposta de reforma tributária que não mexe no fio condutor das desigualdades brasileiras. São medidas que atendem ao receituário neoliberal e acabam com políticas de garantia do bem estar social para a população, especialmente negra e indígena.

No seminal O Capital no Século XXI, o economista Thomas Piketty informa que o imposto não é questão técnica. É tema eminentemente político e filosófico. O sistema tributário brasileiro é racista, estrutura e reproduz desigualdades. Ou enfrentamos ou seremos engolidos e engolidas por ele.