Angela Davis: Carta Aberta ao Partido Comunista

A filósofa e ativista Angela Davis escreveu uma Carta Aberta para saudar o Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA), que faz cem anos em 2019. A carta – que fala sobre a importância histórica e atual da legenda – foi divulgada nesta quarta-feira (3) no Blog da Boitempo. Angela, uma das grandes líderes feministas e antirracistas do século 20, permaneceu filiada por mais de três décadas (1969-1991) ao CPUSA, pelo qual concorreu, em duas eleições, ao cargo de vice-presidenta. Confira a carta.

Angela Davis
Camaradas,


Me junto a vocês na celebração do Partido Comunista dos EUA e sua história de cem anos de lutas militantes pela democracia da classe trabalhadora, por justiça racial, de gênero e ambiental, e pelo socialismo, que é o único futuro viável para o nosso país e para o planeta. Tenho orgulho de ter passado muitos de meus anos de formação nessa organização e de ter me beneficiado de sua presença pioneira e liderança nas lutas antirracistas e trabalhistas.

Depois de tentativas persistentes de obscurecer o papel histórico do Partido e de organizações como o Southern Negro Youth Congress (SNYC) na organização de trabalhadores industriais, meeiros e agricultores arrendatários no Sul, está se tornando cada vez mais claro que esse trabalho contribuiu para criar um terreno político sobre o qual as lutas contra a segregação das leis “Jim Crow” eventualmente vicejariam. Acadêmicos jovens que se livraram das influências continuadas do Macarthismo, estão agora descobrindo as contribuições inestimáveis dos Comunistas.


Botton do Partido Comunista na campanha presidencial de 1980, com Angela Davis de vice-presidente
 

Tendo visitado o túmulo de Claudia Jones¹ – imediatamente adjacente ao de Karl Marx – no Cemitério de Highgate, em Londres, fico especialmente feliz que suas ideias foram agora incorporadas a muitas histórias do feminismo negro estadunidense. O ensaio An End to the Neglect of the Problems of the Negro Woman [Um Fim à Negligência em Relação aos Problemas da Mulher Negra], escrito em agosto de 1948 e publicado originalmente na revista Political Affairs no ano seguinte, agora aparece em muitas antologias e é considerado um texto histórico fundador.² Há muitos outros exemplos – incluindo a impressionante entrevista de Esther Cooper Jackson, que agora está com 103 anos, e que na época era uma liderança do SNYC, em um filme recente sobre o estupro coletivo de Recy Taylor em Abbeville, no Alabama, em 1944.³

Este é um momento perigoso – sindicatos estão sob ataque, investidas racistas e violência antissemita estão crescendo, candidatos de ultradireita conquistaram o poder nos EUA, no Brasil, nas Filipinas, em Israel e em outros países. Ao mesmo tempo, há uma crescente oposição à supremacia branca, à violência policial, à misoginia e à acumulação capitalista de riqueza no mundo. Com sua história de um século de luta, o Partido Comunista está bem-posicionado para oferecer expertise, experiência e análises marxistas que ajudarão os movimentos de resistência a crescerem e se desenvolverem. O mínimo do mínimo que precisamos fazer é derrotar a gestão Trump em 2020! Desejo a vocês sucesso nas deliberações da convenção.

Em solidariedade,

Angela Y. Davis


A ativista Angela Davis e o boxeador Muhammad Ali, em 1969: ícones da luta antirracista nos EUA

NOTAS

(1) Claudia Jones (1915-1964) foi uma importante feminista negra filiada ao Partido Comunista dos EUA – e uma das pioneiras a tematizar a tripla opressão (de raça, classe e gênero) sob uma ótica marxista. Presa e posteriormente deportada do país por conta de sua atuação política, passou a residir no Reino Unido, em 1955, onde veio a fundar o primeiro grande jornal negro da Inglaterra, o West Indian Gazette. Angela Davis encerra o capítulo sobre "Mulheres Comunistas", em seu Mulheres, Raça e Classe, com um perfil dedicado à trajetória e ao pensamento de Claudia Jones.

(2) Há uma tradução para o português, feita por Edilza Sotero, deste artigo de Claudia Jones, publicado na Revista Estudos Feministas, vol. 25 no. 3, Florianópolis Sept./Dec. 2017, com o título “Um fim à negligência em relação aos problemas da mulher negra!”.

(3) A autora refere-se ao documentário The Rape of Recy Taylor (2018), escrito e dirigido por Nancy Buirski, e inspirado pelo livro At The Dark End of the Street: Black Women, Rape and Resistance – A New History of the Civil Rights Movement from Rosa Parks to the Rise of Black Power, de Danielle L. McGuire.