Como o projeto anticrime de Moro turbinará o encarceramento em massa

Ao oferecer o projeto anticrime – o que, desde o nome, causa estranheza, uma vez que não existe projeto abertamente a favor do crime –, o ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro propõe instituir no Brasil o plea bargain. Trata-se de um acordo com a acusação (Ministério Público) e acusado em ações penais, no qual o réu abre mão de sua defesa em troca de “benefícios”, como a atenuação no número ou na gravidade das denúncias e a redução da pena recomendada.

Por Renan Bohus*

Plea Bargaing

O projeto se espelha em um sistema de negociações dos Estados Unidos, onde 90% dos processos criminais terminam em acordo. Como consequência, os norte-americanos têm a maior população carcerária do mundo.

O Brasil é o terceiro nesse ranking de encarceramento em massa, com aproximadamente 750 mil presos. Conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), metade dessa população carcerária é de jovens de 18 a 29 anos. Além disso, 64% dos presos são negros. Todos esses índices devem se agravar ainda mais com a eventual aprovação do projeto anticrime.

É importante salientar que a chance de ser acusado por um crime mais grave do que o praticou pode fazer com que o réu se sinta pressionado a aceitar o acordo, mesmo sem ser culpado. Isso causa grande disparidade de forças entre as partes em acordo, coagindo, assim, a parte mais fraca na negociação – por óbvio, o acusado.

Ao elaborar o acordo, o “contrato” entre as partas deixa a vítima do crime de fora da conciliação, criando uma desilusão com a justiça, já que a sociedade deixa de ter acesso às negociações entre acusador e acusado. Ocorrerá, ainda, desigualdade no tratamento dos réus, contrariando o princípio da isonomia e deixando a impressão de que aqueles que possuem mais contatos são beneficiados com acordos mais brandos.

Também é importante ressaltar uma diferença fundamental entre o Ministério Público do Brasil e o Ministério Público dos Estados Unidos: os promotores brasileiros são aprovados por concurso público, enquanto os norte-americanos são eleitos através do voto popular, o que garante um controle maior entre sociedade e Estado.

Se o projeto de Moro for aprovado e o plea bargain passar a valer em nosso ordenamento jurídico, estaremos potencialmente sujeitos a um órgão autoritário acusatório, sem controle do Poder Judiciário na Justiça Criminal. A população ficará à mercê das vontades e dos ideais dos promotores.

De acordo com o relatório ICJBrasil apenas 29% dos entrevistados afirmaram confiar no Poder Judiciário. Como melhorar a credibilidade e o compromisso com o Estado Democrático de Direito se os acordos forem feitos com as portas fechadas?

Por fim, o pacote anticrime viola a Constituição ao afrontar a presunção de inocência, o direito à ampla defesa e o princípio da individualização da pena. O plea bargain, na prática, amplia a “subjetividade judicial na aplicação das penas”, além de desconsiderar que a liberdade é um direito irrenunciável.

O projeto proposto por Moro foi duramente criticado por órgãos como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As entidades destacam que o ministro propôs diversas mudanças legislativas sem sequer fazer consulta pública ou ouvir especialistas.

* Renan Bohus é advogado criminalista